Por Maria Lúcia Miranda Alvares
A pretensão desse espaço é fomentar e divulgar estudos de um ramo do Direito que está intimamente entrelaçado com o cotidiano de toda pessoa: o Direito Administrativo.
O Direito Administrativo, enquanto conjunto de regras e princípios que regem a relação entre as pessoas e o Estado e entre este e a sociedade, é diariamente consultado, visitado, aplicado, contrariado, executado em favor de todos os brasileiros, desta feita na qualidade de administrados. Assim, quando se exige do Estado administrador a prestação de serviços públicos adequados, a realização de obras de infraestrutura, a vigilância de serviços autorizados, concedidos ou permitidos à execução pelo particular, a profissionalização dos servidores públicos ou a realização de outras atividades de interesse público, se está efetivamente requisitando atuação estatal sob o escopo de regras e princípios imanentes a esse ramo do Direito.
Mas é preciso ressaltar que na visão pós-moderna, essa atuação estatal vem absorvendo as demandas de uma sociedade pluralista, onde a pessoa retoma o seu papel de protagonista na condução das políticas públicas por meio dos intitulados direitos fundamentais. Nesse sentido, o Estado prestador de serviços (funções de prestação) e o Estado que estimula e desenvolve atividades de fomento (funções de propulsão), encontra limite e é orientado pelos intitulados princípios fundamentais, que passam a informar todas as Ciências Sociais[1].
Sob tal panorama, a participação da sociedade torna-se imprescindível para sedimentar esse processo de mudança, ainda em transição. Mas essa participação, é preciso dizer, não se resume a escolher seus governantes. A sociedade quer participar das decisões, quer ser ouvida para tomada de decisões. E, hoje, na Era da Comunicação, as tecnologias postas são verdadeiros instrumentos de ação, ao tempo em que são veículos de crescimento de conscientização coletiva que, certamente, não pode negar a sua fase embrionária, ainda enraizada em um tempo nebuloso da história de nosso país, onde o distanciamento do processo decisório era a bola da vez, afogado pelas ideologias ditadas pelo poder constituído – sem o povo.
Desse tempo, soltam da memória lembranças de cantar na rua com colegas de escola, em face das propagandas políticas veiculadas na mídia: ”este é um país que vai para frente..., oh, oh, oh, oh, oh....”, andando para trás e rindo. Brincadeira de adolescente que não tinha a pretensão de driblar as amarras da censura, e nem mesmo de chamar atenção ou contestar com astúcia e coragem as mazelas vivenciadas pelo povo brasileiro. Era final da década de 70 e início dos anos 80. Não obstante, existia uma consciência crítica hibernando que precisava acordar e, nesse processo, muitos atores foram importantes, atores de todos os meios, cuja atuação parecia muitas vezes despretensiosa, embora carregada de folia política, dentre os quais não se pode deixar de destacar Chico Anísio, com suas inúmeras personagens.
Chico Anísio trouxe o “por quê” para muitas cabeças. Quem não se lembra da Salomé, conversando com o então Presidente João Batista Figueiredo. Uma gaúcha de Passo Fundo, com sotaque carregado, que discutia com o Presidente situações que estavam acontecendo na vida nossa de cada dia. Servia de voz, de interlocutor da sociedade em um momento que a participação popular no processo decisório era uma vaga idéia. E, ao final, Salomé desligava o telefone registrando: “Eu faço a cabeça de João Batista ou não me chamo Salomé.” Uma representação nítida do povo, em conversa sobre assuntos cotidianos da Administração Pública.
Outra personagem que não deixa calar, e que hoje se pode erigir como uma ode à conscientização da tutela do poder por político de duvidosa representatividade, é o Deputado Justo Veríssimo. Deputado corrupto que tinha horror a pobres, cuja pretensão única era se dar bem por meio do cargo político. Para ele pobre era apenas um detalhe. Junto com Salomé e Justo Veríssimo outras personagens se aliavam e se somavam em prol da fertilização à crítica da atuação estatal. Mas apoteose de Chico Anísio, nesse processo, foi, sem dúvida, o Professor Raimundo, não somente por mostrar um pedaço do Brasil em cada aluno, mas por tornar evidente que a educação é a mola mestra para o despertar da consciência de todos em favor de um Estado prestador de serviços eficientes e eficazes.
Nessa onda de humor, onde o riso nos submete a um processo de conscientização do espaço e do tempo em que se vive, Chico Anísio trouxe, talvez sem pretensão, a visão de que não basta que o Estado adote novas funcionalidades e modifique seus paradigmas para atuar enquanto Estado prestador de serviço ou propulsor de atividades de interesse da sociedade, é preciso mais, é preciso que o administrado – nesse caso, todos nós – usuários dos serviços – nos conscientizamos de que a razão de existir da Administração, e do próprio Estado, somos nós: o público. E mais: que dessa consciência emane para o gestor público a mentalidade de que, ao assumirem essa função, seja qual for o processo de escolha, não se erguem como proprietários da coisa pública ou donos e senhores do poder, pois foram guindados, com tempo certo e provisório, a administrar pessoas e bens de todos.
E, ao final, esse é o alicerce do direito fundamental que todos possuem: o direito fundamental à boa Administração Pública.
O texto bem articulado de Lúcia nos mostra a falta que o grande gênio do humor irá fazer. Humor com sutileza e inteligência é pra bem poucos. Para além da saudade do mestre de Maranguape, perfeito o convite para que nos asenhoreemos do que é nosso por definição: a coisa pública.
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