ARTIGO: LICENÇA PARA TRATAMENTO DA PRÓPRIA SAÚDE. LIMITE MÁXIMO INDICATIVO DE INCAPACIDADE PARA DESEMPENHO DAS ATRIBUIÇÕES DO CARGO
Por Maria Lúcia Miranda Alvares
RESUMO: 1. Muito embora se faça necessária a precedência da licença para
tratamento de saúde para o fim de concessão da aposentadoria por invalidez, não
se exige a integralização dos 24 meses de licença de que versa o § 1º do Art.
188 da Lei nº 8.112/90. 2. Impõe-se, todavia, à Administração Pública o
controle do prazo máximo permitido por lei para a concessão de licença para
tratamento da própria saúde com vistas à adoção de providências relativas à
aposentação por invalidez, ante o indicativo da incapacidade para o exercício
das atribuições do cargo, a ser atestada por junta médica oficial.
(i) Da
Contextualização do tema
Não é raro na
Administração Pública encontrar servidores que, sistematicamente, são licenciados
por motivo de saúde por longos períodos.
Decerto, as limitações
físicas do servidor são avaliadas por meio de inspeção médica que, diante do
quadro clínico examinado, pode demandar pela concessão de licença para
tratamento de saúde. Não obstante, esse tipo de licença não pode se
procrastinar no tempo, não somente em razão do interesse do serviço, mas porque
essa delonga pode estar indicando que o servidor não mais se encontra com
capacidade para atuar no serviço público e, como tal, deve ser aposentado por
invalidez. E, nesse campo, surgem os problemas de ordem
jurídico-administrativa: qual o termômetro que a Administração deve ter para
decidir sobre determinado caso concreto que se lhe apresenta equivalente?
Neste ensaio, o campo de
estudo versa sobre a obrigatoriedade de a Administração Pública vir a aposentar
servidor submetido a sistemáticos períodos de licença para tratamento da
própria saúde, considerando os intervalos e interferências imanentes a esse
tipo de afastamento.
(ii) Da Análise Jurídica
Em primeiro lugar, é preciso
deixar evidente que a aposentadoria por invalidez é auferida a partir de
perícia médica oficial, realizada por junta médica competente, na qual seja
atestada a invalidez do servidor, assim caracterizada: (i) pela verificação da
incapacidade de o servidor desempenhar as suas competências, ou, (ii) pela
impossibilidade de sua readaptação em cargo com atribuições e responsabilidades
compatíveis com as limitações sofridas.
Nessa esteira de raciocínio
exsurge a primeira ilação: a licença para tratamento da própria saúde não
determina a inativação do servidor.
O que determina a aposentação do servidor é a atestação da invalidez,
da impossibilidade do exercício das atribuições do cargo diante das limitações
decorrentes da(s) moléstia(s) a que foi acometido, constatada a inviabilidade
de readaptação.
No bojo dessas conclusões,
há que se questionar: E qual o papel da Licença para tratamento da própria saúde? Na verdade, a licença saúde é um
pressuposto necessário para a concessão da aposentadoria por invalidez: é o
período que se impõe à Administração para avaliação e confirmação da
incapacidade laborativa do servidor, de modo que, em regra, não cabe conceder aposentadoria
por invalidez sem prévia concessão da licença. Essa, aliás, a inteligência
conferida pelo Tribunal de Contas da União sobre a matéria, in
verbis:
“2. A aposentadoria
por invalidez, com proventos integrais ou proporcionais, deve ser precedida de
licença para tratamento de saúde, não existindo, entretanto, o pressuposto de
que esse período perfaça o total de 24 meses para que a junta médica competente
conclua pela invalidez permanente do servidor.” (Decisão TCU nº 249/1997 –
Plenário)”
O
entendimento do Tribunal de Contas da União foi exarado em nível de consulta
formulada pelo Senado Federal, onde se questionava acerca da obrigatoriedade de
exaustão do prazo de 24 meses para concessão de aposentadoria por invalidez por
junta médica oficial. Nessa oportunidade, os dispositivos legais – artigos 86,
188, 203 e 204 da Lei nº 8.112/90 – foram interpretados à luz do sistema
jurídico vigente, vindo a ser sufragada a tese no sentido de que muito embora
se faça necessária a precedência da licença para tratamento de saúde para o fim
de concessão da aposentadoria por invalidez, não se exige a integralização dos
24 meses de licença de que versa o § 1º do Art. 188 da Lei nº 8.112/90 [“§ 1o A
aposentadoria por invalidez será precedida de licença para tratamento de saúde,
por período não excedente a 24 (vinte e quatro) meses”].
Nesses termos, não importa
se o servidor obteve, durante determinado lapso de tempo, apenas 30 dias de
licença sob o escopo de uma dada moléstia e, outros, em razão de outras patologias,
ainda que observado o interregno previsto no Art. 82 da Lei nº 8.112/90 (“Art. 82. A licença concedida dentro de 60
(sessenta) dias do término de outra da mesma espécie será considerada como
prorrogação”). O
que importa é a conclusão médica acerca da incapacidade laboral, então
precedida de período de avaliação (licença médica), conforme encerra o voto do
Ministro Relator da Decisão TCU nº 249/2007, verbis:
“Ora, se até mesmo o médico do órgão
do servidor pode, mediante inspeção médica, após a primeira licença, que não poderá exceder de 30
dias, concluir pela aposentadoria
do servidor, isto quer dizer que não
existe prazo mínimo de licença
médica para que o servidor seja aposentado por invalidez. O período de licença médica dependerá sempre do tempo que o
profissional entender razoável para que sejam tomadas as providências
necessárias com vistas a recuperação do servidor ou a avaliação da limitação
que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental para os fins de sua
readaptação ou de sua aposentadoria.
Pelas razões expostas acima, a resposta à consulta prende-se, apenas, ao
segundo item da mesma, uma vez que a primeira questão encontra-se prejudicada
pela resposta a ser dada e pode ser desdobrada da seguinte forma: a) para fins
de contagem dos períodos de licença
para efeito do limite máximo previsto no § 1º do art. 188 da Lei nº 8.112/90,
deve ser observado o disposto no art. 82 da mesma lei; b) a aposentadoria por invalidez, com proventos integrais ou
proporcionais, deve ser precedida de licença para tratamento
da saúde, não
existindo, entretanto, o pressuposto, de que esse período perfaça o total de 24
meses para que a junta médica conclua pela invalidez permanente do servidor. Por
todo o exposto, acompanho no mérito o parecer do Ministério Público e Voto por
que este Plenário adote a decisão que submeto a sua deliberação. (o grifo não
consta do original)
Por
outro lado, sob o escopo de tal exegese, a Administração estaria obrigada a
tomar as providências relativas à aposentação por invalidez se, após vinte e
quatro meses de licença médica – prazo máximo permitido por lei para tal
desiderato[1]
- o servidor não tivesse condições de retorno à atividade por evidente
incapacidade. Nesse caso, o limite máximo permitido para concessão da licença
determinaria a postura administrativa a ser adotada, no caso: a instauração de
providências com vistas à aposentação.
No
bojo dessas assertivas, cabe referir a uma modificação legislativa, que ora
lançou luzes à aplicação do disposto no § 1º do Art. 188 da Lei nº 8.112/90.
Cuida-se da introdução do § 4º ao Art. 188 na Lei nº 8.112/90 pela Lei nº
11.907, de 2009. Ei-lo:
“Art. 188. A aposentadoria
voluntária ou por invalidez vigorará a partir da data da publicação do
respectivo ato.
§ 1o A
aposentadoria por invalidez será precedida de licença para tratamento de saúde,
por período não excedente a 24 (vinte e quatro) meses.
§ 2o Expirado
o período de licença e não estando em condições de reassumir o cargo ou de ser
readaptado, o servidor será aposentado.
§ 3o O
lapso de tempo compreendido entre o término da licença e a publicação do ato da
aposentadoria será considerado como de prorrogação da licença.
§ 4o
Para os fins do disposto no § 1o deste artigo, serão
consideradas apenas as licenças motivadas pela enfermidade ensejadora da
invalidez ou doenças correlacionadas.” (o grifo não
consta do original)
A partir desse marco legal, é visível que o
prazo da licença para tratamento de saúde de que versa o § 1º do art. 182 da
Lei nº 8.112/90 deve computar períodos relativos à enfermidade que deu causa à
incapacidade, podendo ser computadas, nesse caso, as licenças motivadas por doenças
correlacionadas à enfermidade causadora da invalidez. Nesse contexto, outras
patologias podem ser levadas a cotejo para auferir o referido prazo desde que
haja correlação com a enfermidade ensejadora da invalidez, atestada por laudo
médico oficial, observando-se, em todo caso, o interregno posto no Art. 82 da
Lei nº 8.112/90.
A
par da análise, caberá a Administração a vigilância quanto aos prazos de
licenças para tratamento da própria saúde do servidor, mormente quanto ao
controle da correlação entre as doenças motivadoras do afastamento, de modo a
contabilizar corretamente o limite máximo previsto em lei para avaliação da
incapacidade para o exercício da função pública.
De
mais a mais, a par dos elementos jurídicos postos, mostra-se evidente que a prerrogativa
de tal proceder é da Administração Pública, por meio de seu corpo médico, haja
vista a imprescindibilidade, de toda sorte, da atestação da incapacidade do
servidor ou da inviabilidade de sua readaptação em cargo correlato com as suas
limitações, se couber, sempre observando o prazo máximo de licença de que versa
a Lei nº 8.112/90.
(iii)
Conclusões
Nesse cotejo, imperiosas as
seguintes conclusões:
a) a Administração Pública
não deve deixar extrapolar o prazo de 24 meses de licença para tratamento da
própria saúde do servidor, então computado na forma do Art. 82 c/c os §§ 1º e
4º do Art. 188 da Lei nº 8.112/90, para proceder à instauração de competente
processo de concessão de aposentadoria por invalidez;
b) a concessão de
aposentadoria por invalidez deve ser precedida de licença para tratamento da
própria saúde, não se fazendo necessário, para tal fim, o implemento do prazo
de 24 meses de licença;
c) em todo caso, para o fim
de concessão de aposentadoria por invalidez, se faz necessária a atestação da
incapacidade/invalidez do servidor para o desempenho de suas atribuições e a
certificação de inviabilidade de readaptação em cargos com atribuições e
responsabilidades compatíveis com suas limitações por junta médica oficial.
d) cabe a Administração
Pública o controle sobre o tempo de licença para tratamento da própria saúde do
servidor, observada a correlação de doenças motivadoras das licenças, de modo a
não permitir excesso de prazo.
Minha esposa já passou dos 24 meses de licença? Ela tem direito a aposentadoria? Como proceder para conseguir tal beneficio?
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