QUESTÃO DE ORDEM PRÁTICA 7: DISPENSA DE LICITAÇÃO PAUTADA NO INCISO VIII DO ART. 24 DA LEI Nº 8.666/93: CASO ESPECÍFICO DE CONTRATAÇÃO DIRETA DA EBCT PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE LOGÍSTICA INTEGRADA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA.
PA, 19/08/2012
A
mudança da visão de mundo proporcionada pela utilização da tecnologia da
informação tem gerado uma consciência coletiva em busca da melhoria de vida do
homem em sociedade e, por corolário, dos serviços postos à sua disposição pelo
Estado.
A par desse processo evolutivo, cabe
referir que a Administração Pública, desde o Decreto-Lei nº 200, de 1967, foi
estimulada a buscar parceria com a iniciativa privada para melhor administrar
os serviços tidos como meramente acessórios (atividade-meio), e, desta
feita, "melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento,
coordenação, supervisão e controle", e, por derradeiro, impedir o
"crescimento desmensurado da máquina administrativa"[1].
Desse
modo, pode-se dizer que o nosso Direito Positivo, há quase meio século, abriu
as portas para a intitulada terceirização com vistas a consolidar
a eficiência da máquina administrativa.
Hodiernamente,
a modificação da cultura organizacional decorrente dos avanços tecnológicos -
ainda em plena efervescência - trouxe novas perspectivas ao processo de
parcerias com a iniciativa privada, alterando a feição do processo de
descentralização antes não imaginado pelo legislador pátrio, fato que tem
impulsionado a Administração a incorporar à sua gestão modelos e paradigmas
naturais dentro desse processo evolutivo. O problema é que, amarrada a um
sistema jurídico que lhe impõe limitações, toda evolução depende,
inexoravelmente, da conformidade desse processo às regras gestadas e vigentes.
À
luz do breve cotejo, observa-se que o art. 24 da Lei nº 8.666/93 confere à
Administração um largo espaço de parcerias com vistas a melhor conduzir suas
ações, dentre as quais se destacam os casos das contratações diretas pautadas
no seu inciso VIII, que ora já recebeu do Tribunal de Contas da União
a inteligência necessária à sua aplicabilidade, sedimentada em
debates doutrinários, cujo rol de exigências restringem a margem de liberdade
do gestor público no bojo da celebração dessas parcerias.
A
saber:
Para
melhor entender o disposto no inciso VIII do Art.24 da Lei nº 8.666/93,
imperiosa se faz a sua transcrição, in verbis:
"Art.24.
É dispensável a licitação:
[...]
VIII
- para aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno de bens
produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a
Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data
anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com
o praticado no mercado."
A
leitura do dispositivo submete a Administração a avaliar os seguintes
requisitos para legitimação da contratação em epígrafe: "a) o contratante
seja pessoa jurídica de direito público interno; b) o contratado seja órgão ou
entidade que integre a Administração Pública; c) o contratado tenha sido criado
para o fim específico do objeto pretendido pela Administração contratante, d) a
criação do órgão ou entidade contratada tenha ocorrido antes da vigência da Lei
nº8.666/93; e, e) o preço seja compatível com o praticado no mercado.[2]"
Poucas
são as dúvidas que exsurgem em relação ao exame das alíneas "a" e
"b" acima relacionadas, o que já não ocorre com as demais, que estão
sujeitas a melhor interpretação sob o escopo dos princípios que autorizam a
dispensa de licitação, mormente no que tange à finalidade ou ao fim específico
do órgão/ente, efetivamente visível no caso em estudo: contratação da
EBCT para prestação de
serviços concernentes ao gerenciamento do almoxarifado e controle da logística de materiais
permanentes e de consumo armazenados, compreendendo o recebimento, a
armazenagem e distribuição de materiais, para atendimento a diversas unidades
do órgão contratante.
E
é especificamente quanto à contratação da EBCT que a situação mereceu do
Tribunal de Contas da União maior debate jurídico, vindo à baila orientação no
sentido de que a "atividade de logística integrada" ao
serviço postal não se encontra inserida no fim específico daquela entidade
e, como tal, não seria possível a contratação direta da empresa pública
para prestação de serviços sedimentada nessa atividade acessória sob o escopo
do previsto na Portaria nº 500, de 2004, do Ministro de Estado das
Comunicações.
Nesse contexto, convém
transcrever excertos do Acórdão nº 6931/2009 - 1ª Câmara para melhor elucidar a
questão. Ei-los:
"Voto do Ministro Relator
Os
serviços de logística prestados pelos Correios não integram o serviço postal,
consistindo em atividade acessória, própria de atividade econômica exercida em
regime de livre concorrência.
O serviço
postal, explorado em regime de monopólio pela União, compreende o
"recebimento, expedição, transporte e entrega de objetos de
correspondência, valores e encomendas" (art. 7º, caput, da Lei
6.538/1978).
Classificam-se
como correspondência a carta, o cartão-postal, o impresso, o cecograma e as
pequenas encomendas (art. 7º, § 1º, da Lei 6.538/1978).
A remessa de dinheiro
através de carta com valor declarado e de ordem de pagamento por meio de
vale-postal, assim como o recebimento de tributos, prestações, contribuições e
obrigações pagáveis à vista, por via postal, constituem o serviço postal
relativo a valores (art. 7º, § 2º, da Lei 6.538/1978).
Entende-se,
por encomenda, a entrega de objetos, com ou sem valor mercantil, por via postal
(art. 7º, § 3º, da Lei 6.538/1978).
A par
dos serviços postais, os Correios exploram atividades econômicas em regime de
concorrência e isonomia com empresas privadas, a exemplo dos serviços de
marketing direto, certificação digital, banco postal, fatura eletrônica,
importa fácil, títulos de capitalização e logística postal integrada.
O
serviço de logística, instituído pela Portaria 500/2004, do Ministério das
Comunicações, incorpora serviços "anteriores e posteriores" ao
serviço postal, a exemplo do recebimento de pedidos, coleta, tratamento,
manuseio, armazenagem, distribuição e entrega de bens e documentos, incluídos
os não admitidos no sistema postal, em razão do seu peso, dimensões, volume ou
formato (art. 2º).
Os
serviços de logística não integram a prestação de serviços postais. Matéria
veiculada na revista do Ministério das Comunicações, trazida aos autos pelo
responsável, deixa clara a distinção (fl. 203, principal):
"A
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) ganhou destaque na imprensa
internacional ao aparecer em primeiro lugar entre as empresas de correios mais
respeitadas do mundo e a segunda do ramo de logística" (grifei).
Há
classificações distintas para serviços de correios e de logística porque se
tratam de atividades relacionadas a diferentes ramos de atividade econômica.
A utilização
da estrutura dos Correios para prestação de serviços não afetos a sua atividade
principal não tem o condão de transformá-los em serviço postal. Não há razão
para acreditar que os serviços de marketing direto, certificação digital ou
logística tenham sido erigidos à categoria de serviço postal apenas porque os
Correios passaram a oferecê-los, em regime de concorrência com empresas
privadas que se dedicam a essas atividades comerciais.
Firme a
jurisprudência do Tribunal no sentido de que apenas as entidades que prestam
serviços públicos de suporte à Administração Pública, criadas para esse fim específico, podem ser contratadas com dispensa
de licitação, nos termos do art. 24, inciso VIII, da Lei
8.666/1993 (acórdãos 1.733/2004, 2.063/2005, 1.705/2007, Plenário; 1.171/2006,
2ª Câmara).
As empresas
públicas e sociedades de economia mista que se dedicam à exploração de
atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de
serviços sujeitam-se ao regime jurídico das empresas privadas (CF, 173), em
consonância com os princípios constitucionais da livre concorrência e da
isonomia, e não podem ser contratadas com dispensa de licitação fundamentada no art. 24, VIII, da Lei 8.666/1993.
O
Tribunal, em reiteradas ocasiões, entendeu indevida a contratação
da Petrobras, com dispensa de licitação,
porque ela "não foi criada com o fim exclusivo de promover
fornecimento de combustível à Administração Pública, faltando assim o quesito
necessário à aplicação da norma do art. 24, inciso VIII, da Lei 8.666/93"
(Acórdão 2.063/2005, Plenário. Nesse sentido: decisões 253/1997, Plenário, e
118/1998, 2ª Câmara; acórdãos 56/1999, Plenário, 38/1999 e 1.481/2005, 1ª
Câmara; 142/1996, 2ª Câmara).
Esse
é, também, o caso dos Correios.[3]"
A
leitura do Acórdão deixa evidente que a atividade de logística integrada, na
qual se assenta a hipótese de contratação sub examine, não
compreende a finalidade precípua ou fundamental dos Correios, mormente por ser
tratar de atividade econômica que alberga larga concorrência no mercado, fato
que obstaculiza a contratação direta sob o escopo do Art.24, inciso VIII, da
Lei nº 8.666/93.
À guisa dessa inteligência,
outro aspecto poderia ser levantado e que, também, se ergueria como óbice à
contratação direta, ainda que se considerasse a atividade de logística agregada
ao serviço postal e, como tal, inerente à finalidade precípua da EBCT, qual seja: a
limitação temporal da criação do órgão ou ente - anterior à Lei nº8.666/93.
Conforme antedito, para
efeito do disposto no inciso VIII do Art. 24 da Lei nº8.666/93 é fundamental
que o objeto a ser contratado seja condizente com a finalidade precípua do
órgão ou entidade, situação que se constata a partir da análise da lei de
criação e dos atos constitutivos do órgão/ente. Porém, se no curso de sua
existência o órgão/ente, criado antes da vigência da Lei nº 8.666/93[4],
vir a modificar a sua finalidade, qual seria o tratamento a ser dado à matéria?
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes responde à indagação em sua obra Contratação
Direta Sem Licitação, ipsis verbis:
"Questão
relevante diz respeito ao fato da alteração dos atos constitutivos do órgão,
para neles fazer inserir a realização de um objeto pretendido pela
Administração, como ocorreria com a alteração de uma lei que criou o
Departamento de Imprensa para inserir entre as suas finalidades a impressão de
volantes de loteria. Essa alteração ensejaria o enquadramento da contratação
desse novo objeto de forma direta, sem licitação?
A
literalidade do dispositivo em comento afastaria a possibilidade de a
Administração contratar a impressão de cartelas de loteria diretamente.
Contudo, tal exegese pode conduzir ao rigor de que hoje a maior parte dos
órgãos já tiveram seu universo de atividades bastante expandidos e, em várias
hipóteses, a Administração já vem efetuando contratação com dispensa de
licitação. Num contexto mais amplo, seria admissível acolher essa expansão do
objeto, desde que também, nesse caso, fosse atendido o requisito temporal
inscrito no dispositivo pela Lei nº8.883/94, ou seja, que a alteração da
atividade do órgão tivesse ocorrido antes da vigência da Lei nº 8.666/93.
Com
essa possibilidade, ficaria resguardado o ordenamento jurídico sem necessidade
de grandes pesquisas sobre a finalidade inicial, que ensejou a criação do
órgão, ao tempo que se evitaria o absurdo de permitir a contratação direta de
um órgão que foi criado bem posteriormente, sem, contudo, admitir-se igual
tratamento para outro que, mesmo criado anteriormente, teve seu ramo de
atividade expandido, ardilosamente, após o advento da Lei nº8.666/93[5]."
(o grifo não consta do original)
Pois bem, no caso em estudo,
observa-se que o serviço de logística postal integrada prestado pela EBCT foi
instituído pela Portaria nº 500, de 6 de dezembro de 2004, do Ministro de
Estado das Comunicações, no uso de suas atribuições institucionais. Desta
feita, supondo que esse plus aos serviços postais, nos
termos do art.2º da citada Portaria, foi agregado à atividade fim dos Correios,
tem-se que admitir a sua ocorrência em data posterior à vigência da Lei
nº 8.666/93[6],
fato que, por si só, inviabilizaria a contratação direta da entidade com
espeque no Art.24, inciso VIII, da Lei nº 8.666/93.
Sob tais perspectivas
legais, o entendimento mais consentâneo firma-se no sentido da inviabilidade
jurídica de contratação direta da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
(EBCT) para o fim de gerenciamento do almoxarifado e outros serviços de
logística integrada, com respaldo no Art. 24, inciso VIII, da Lei nº 8.666/93.
Todavia, nada obsta que a Administração
possa vir a terceirizar atividades vinculadas à logística integrada
com vistas a tornar mais eficiência os serviços desenvolvidos, observadas as
premissas legais próprias advindas desse tipo de parceria, em especial, a licitação.
Maria
Lúcia Miranda Alvares*
* ALVARES, Maria Lúcia Miranda.
[1] Art.
10 do DL nº200/67: "Art. 10......§ 7º Para melhor
desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle
e com o objetivo de impedir o crescimento desmensurado da máquina
administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material
de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta,
mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente
desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução."
[2] A enumeração dos requisitos foi extraída da
obra Contratação Direta sem Licitação, de Jacoby Fernandes, 8 ed. Belo
Horizonte:Editora Fórum, 2008, p. 380.
[3] A decisão do STF na ADPF nº 46 somente avaliza
a decisão do TCU, ao fixar o conceito de atividade postal de exclusividade
dos Correios (regime de exclusividade e não de monopólio) .
[4] Caso da EBCT.
[5] Ob.cit.pp. 387/388
[6]
Faz importante ressaltar que a própria Portaria nº 500/2004 refere que o
serviço de logística consiste em uma atividade “afim aos serviços postais”, portanto, com características
acessórias, compreendendo serviços anteriores e posteriores aos serviços postais. Cuida-se de uma atividade que não se confunde
com os serviços postais, enquanto atividade fim dos Correios. A ilação posta,
portanto, deve ser tida como hipótese a ser levantada para incremento do
debate.
Meus parabéns! Ótima matéria!
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