QUESTÃO DE ORDEM PRÁTICA 10: AVERBAÇÃO DE TEMPO PRESTADO À ADMINISTRAÇÃO INDIRETA PARA O FIM DE APOSENTADORIA. ABRANGÊNCIA DO CONCEITO DE “SERVIÇO PÚBLICO”.
Belém,
2/12/2012
Pensar no tempo é pensar na vida. O
tempo
marca a nossa existência e protagoniza desde o nascimento os nossos melhores
momentos.
Estudar a temporalidade no Direito
não é tarefa fácil. Várias são as nuances sobre as quais o tempo nos conduz à
satisfação de um benefício, delimitando a órbita de proteção sobre a qual
incide a norma jurídica. E, no estudo da
aposentadoria, mormente pós-reforma, entender o tempo é fundamental.
Na aposentadoria, a visão requisita
a análise do tempo sob a ótica qualitativa e quantitativa. No primeiro
caso, é preciso conhecer o adjetivo que a norma jurídica
conferiu ao tempo para que este produza os seus efeitos legais. Essa qualidade, nem sempre visível de
forma clara, se agrega ao tempo a partir da conotação jurídica emprestada pela
norma ao regime de serviço a que se sujeita o seu prestador, tais como:
tempo de serviço público, que pode ser analisado sob o conceito largo
ou estrito de serviço público; tempo de serviço privado ou mesmo tempo de
serviço afetado tanto ao domínio público quanto ao privado[1]. Sob a feição quantitativa, delimita-se
o tempo necessário à inativação em razão da norma vigente ao tempo prescrito em
lei para a satisfação do direito. Em outras palavras, em termos quantitativos, verifica-se
o implemento do tempo para o fim de aposentadoria a partir da temporalidade da
norma jurídica.
Nesse patamar de funcionalidade,
fácil é perceber que é a norma que confere ao tempo a qualificação
a ser requisitada, cabendo lembrar que, com o passar do tempo, a própria norma
pode modificar essa qualificação, conferindo àquele tempo feição diversa da
anteriormente oferecida. E, na eventualidade de mudança, é o tempo de vigência
da norma que marca o direito.
Na atual conjuntura, a Constituição demarca o
tempo para aposentadoria a partir da inserção do servidor no Regime Próprio de
Previdência Social (RPPS), a ocorrer por efeito do seu ingresso em cargo público. E, nesse campo, é
visível a dicotomia entre o direito à aposentadoria do servidor que ingressou no
RPPS
antes das ondas de Reforma daquele que ingressou após as Reformas (Emendas
Constitucionais nº 20/98, 41/2003 e 47/2005).
A par dessa contextualização, vislumbra-se
que a delimitação temporal do direito à aposentadoria é importantíssima para se
entender o atual panorama em que se insere a averbação do tempo de serviço prestado à
Administração Indireta sob a qualificação de tempo de serviço público,
então objeto de análise neste ensaio de ordem prática.
A saber:
É sabido que o direito à
aposentadoria pelo RPPS está previsto no art. 40 da Constituição Federal,
alterado pela EC nº 41/2003, que encerra, para aposentadoria voluntária com
proventos integrais[2],
os seguintes requisitos: (i) 10 anos de efetivo exercício no serviço público;
(ii) 5 anos no cargo e; (iii) sessenta anos de idade e trinta e cinco anos de
contribuição, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade e trinta de
contribuição, se mulher.
Essa é a regra geral aplicável
aos servidores ocupantes exclusivamente de cargos públicos, por
efeito da sua vinculação ao RPPS. Ou seja, o direito à aposentadoria
com base na norma constitucional elencada é conferido ao servidor que integra a Administração
direta, autárquica e fundacional detentor de cargo público, integrante do RPPS. Não
obstante, o tempo de efetivo exercício no serviço público ali inserto como requisito
para concessão de aposentadoria comporta a averbação do tempo de serviço
prestado às entidades da Administração Indireta – empresas públicas e
sociedades de economia mista, eis que o termo ali disposto admite o
conceito largo de serviço público.
O mesmo raciocínio deve ser
empregado para as regras de transição dispostas no art. 6º da EC nº 41/2003 e
art. 3º da EC nº 47/2005, que assim dispõem:
“Art.
6º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas
pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelo art. 2º
desta Emenda, o servidor da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e
fundações, que tenha ingressado no serviço público até a data de publicação
desta Emenda poderá aposentar-se com proventos integrais, que
corresponderão à totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que
se der a aposentadoria, na forma da lei, quando, observadas as reduções de
idade e tempo de contribuição contidas no § 5º do art. 40 da Constituição
Federal, vier a preencher, cumulativamente, as seguintes condições:
I
- sessenta anos de idade, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade, se
mulher;
II
- trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição,
se mulher;
III - vinte anos de efetivo exercício no
serviço público; e
IV
- dez anos de carreira e cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der
a aposentadoria.”
[...]
“Art. 3º Ressalvado o
direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo art. 40 da
Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelos arts. 2º e 6º da
Emenda Constitucional 41, de 2003, o
servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas
suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até 16 de
dezembro de 1998 poderá aposentar-se com proventos integrais, desde que
preencha, cumulativamente, as seguintes condições:
I
- trinta e cinco anos de contribuição,
se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;
II vinte e cinco anos de efetivo
exercício no serviço público, quinze anos de
carreira e cinco anos no cargo em que se der a aposentadoria;
III
idade mínima resultante da redução, relativamente aos limites do art. 40, § 1º, inciso III, alínea "a", da
Constituição Federal, de um ano de
idade para cada ano de contribuição que exceder a condição prevista no inciso I
do caput deste artigo.". (os grifos não constam do original)
O caput do art. 6º da EC nº
41/2003, bem como o do art. 3º da EC nº 47/2005 referem que sua aplicação é
restrita, respectivamente, aos servidores que “tenham ingressado no
serviço público até”: (i) 31/12/2003 (data da publicação da EC 41/2003)
e 16/12/98 (data da publicação da Emenda 20/98). Nesse caso, evidencia-se que o
termo serviço público está vinculado ao tempo de ingresso do
servidor no RPPS. E não podia ser diferente, na medida em que a pretensão das
normas constitucionais foi delimitar o direito do servidor em razão do tempo de
ingresso no sistema previdenciário do setor público, situação que não se
confunde com as exigências requisitadas para obtenção do direito à
aposentadoria por este mesmo servidor, então delineadas nos incisos das regras
acima reproduzidas, dentre as quais se insere o tempo de efetivo exercício no
serviço público.
Em outras palavras, o tempo
de serviço público, exigido de forma cumulativa com outros requisitos
para a concessão de aposentadoria com base nas regras de transição acima
reproduzidas, admite o cômputo de tempo de serviço prestado em entidades
integrantes da Administração Indireta. Porém, não se pode perder de vista que
essas regras são aplicadas aos servidores que já integravam do RPPS nas datas
demarcadas pelas regras: (i) 31/12/2003 para aposentadoria fundada no art. 6º
da EC nº 41/2003; e (ii) 16/12/98 para concessão de aposentadoria com base no
art. 3º da EC nº 47/2005.
Essa interpretação foi
consolidada junto ao Tribunal de Contas da União em diversos julgados, valendo
a transcrição do Sumário do Acórdão nº 2.921/2010 – Plenário, em
que o entendimento foi efetivamente afirmado em face de controvérsia havida à
época. Ei-lo:
REPRESENTAÇÃO. CONCEITO DE SERVIÇO PÚBLICO. ALEGADA CONTROVÉRSIA ENTRE
ENTENDIMENTO DESTA CORTE DE CONTAS E ORIENTAÇÃO NORMATIVA DO MINISTÉRIO DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL. AUSÊNCIA DA CONTROVÉRSIA SUSCITADA. QUESTÃO JÁ TRATADA, EM
SEDE DE CONSULTA, PELO PLENÁRIO DESTE TRIBUNAL. IMPROCEDÊNCIA.
1. O conceito de "serviço público" trazido pelo art. 40, § 1º, inciso
III, da Constituição Federal de 1988, pelo inciso III do art. 6º da Emenda
Constitucional nº 41, de 2003, e pelo inciso II do art. 3º da Emenda
Constitucional nº 47, de 2005, deve ser entendido de forma ampla, para
abranger também as empresas públicas e sociedades de economia mista.
2. Diverso é o conceito de "serviço público" contido no caput
do art. 6º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, e no caput do art. 3º da Emenda
Constitucional nº 47, de 2005, que deve ser tomado de forma restrita, uma vez
que as regras contidas nesses artigos, ditas de transição, aplicam-se
exclusivamente aos servidores ocupantes de cargo efetivo na Administração
Pública direta, autárquica e fundacional, ao tempo da edição dessas emendas.
3. A Orientação Normativa MPS/SPS nº 2, de 31 de março de 2009, está
em consonância com o entendimento esposado por esta Corte de Contas pelos
Acórdãos nº 2636/2008-TCU-Plenário e nº 2229/09-TCU-Plenário. (o grifo não consta do original)
Não obstante a inteligência
conferida à norma pelo Tribunal de Contas da União, órgão responsável pelo
julgamento da legalidade dos atos de concessão de aposentadorias e pensões do
RPPS (Art. 71, III, da CF/88), bem como pelo Ministério da Previdência e
Assistência Social, órgão que detém competência de “orientação, supervisão e o acompanhamento dos regimes próprios de
previdência social dos servidores públicos e dos militares da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” (art. 9º, I, da Lei nº
9.717/98), merece ser dito que existem decisões dissonantes no âmbito do Poder
Judiciário sobre o tema (CNJ, PCA nº 8188), cuja repercussão não
teve o condão de afetar a jurisprudência firmada pelo Tribunal de Contas da
União, que ora se mantém forte em seus fundamentos.
Em conclusão, o tempo de serviço prestado a entidades integrantes da Administração Indireta é computável para o
fim de aposentadoria fundada nas normas acima elencadas, sob a conotação de tempo
de efetivo exercício no serviço público, em favor do servidor que tenha
ingressado no Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) ao tempo prescrito
nas regras que conferem ensejo ao benefício.
Maria Lúcia Miranda Alvares
[1]
Para aprofundar o tema ler artigo de minha autoria: “DA AVERBAÇÃO DO TEMPO DE SERVIÇO PRESTADO ÀS ENTIDADES PRIVADAS DA
ADMINISTRAÇÃO INDIRETA”, publicado no Blog DIREITO PÚBLICO EM REDE.
[2]Deixamos
de tratar, na hipótese, sobre o que se deve entender por proventos integrais,
mormente em face das novas regras trazidas pela criação dos Fundos – Regime
Complementar -, a ser objeto de outro estudo.
Maria Lúcia,
ResponderExcluirTrabalhei na RFFSA e agora na Prefeitura de Belo Horizonte. O Tempo daquela empresa de sociedade mista conta para efeito de aposentadoria mas não para perceber os quinquênios. Há alguma jurisprudência em contrário? Esse tempo de RFFSa poderia também ser contado para receber quinquênio? Se sim, como fazer?
Abraços e adoro seu blog.
Cristina
Na minha opinião, o regime jurídico não descaracteriza a natureza pública do serviço prestado às administrações públicas direta e indireta. A compensação previdenciária entre os regimes públicos de previdência, RGPS e RPPS, ESTÁ EM PLENA VIGÊNCIA. Há grande injustiça no impedimento de somar os tempos públicos e obrigar um funcionário a recomeçar do zero a contagem temporal para a aposentadoria quando migra da administração pública indireta para a direta com troca de regime previdenciário. Há também o agravante criado pelas E.Cs. 41/2003 e 47/2005 que aumentaram em 100% (20 anos) e 150% (25 anos) a exigência temporal anterior de 10 anos, nas suas novas regras de transição.
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