QUINTOS: MINISTÉRIO PÚBLICO INGRESSA COM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO E SUSTENTA TESE FAVORÁVEL À DECADÊNCIA DO DIREITO DE A ADMINISTRAÇÃO INVALIDAR ATOS CONCESSÓRIOS DE QUINTOS CONCEDIDOS HÁ MAIS DE CINCO ANOS DA DECISÃO
Os efeitos da modulação acolhidos pelo Supremo Tribunal Federal no RE 638115/CE trouxeram interpretações inusitadas, inclusive com entendimento radical no sentido de exclusão da parcela da remuneração dos servidores que já estavam recebendo a vantagem há mais de 5 (cinco) anos, independentemente de a concessão ter ocorrido pela via administrativa ou judicial.
Em artigo de nossa lavra, publicado neste Blog e em outras revistas jurídicas especializadas, defendemos a impossibilidade de tal proceder e esposamos os fundamentos para mantença da parcela em favor dos servidores que dela estavam usufruindo há mais de 5 (cinco) anos da decisão do STF em face de decisão administrativa; assim como registramos a necessidade de ação específica para desconstituição do julgado em sede judicial após o trânsito em julgado da sentença. Igual tese foi defendida pelo Ministério Público Federal em Embargos de Declaração opostos à decisão, com algumas nuances mais benéficas, eis que o Ministério Público entende inviável, inclusive, a proposição de rescisória para desconstituir sentença transitada em julgado em favor do servidor.
Não tenho dúvidas quanto ao direito do servidor beneficiado, há mais de cinco anos, por decisão administrativa, permanecer com a vantagem dita, agora, ilegal. Em relação às decisões judiciais transitadas em julgado, existe aceno no sentido de sua viabilidade no sistema jurídico, como dissemos em nosso artigo e, certamente, a Advocacia Geral da União (AGU) dela fará uso se o STF não se posicionar contrariamente. Logo, muito importante o acompanhamento dos embargos.
Vale aguardar a decisão. Enquanto isso, segue a leitura do embargos.
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Nº 150271/201
Recurso Extraordinário 638.115 – CE
Relator: Ministro Gilmar
Mendes
Embargante: Procurador-Geral da República
Embagados: União e outros
Interessados: Associação de
Servidores do Tribunal Superior Eleitoral (ASSERTSE) e outros
Amici Curiae: Sindicato dos Trabalhadores
do Poder Judiciário
Federal dos Estados do Pará e
Amapá - Sindjuf – PA/AP e outros
EXCELENTÍSSIMO SENHOR
MINISTRO RELATOR
EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. OMISSÃO. ACÓRDÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL.
EFEITOS
PACIFICADORES. NECESSIDADE DE
EXPLICITAÇÃO DOS LIMI-
TES DO PRONUNCIAMENTO.
OBSERVÂNCIA DA COISA JULGADA. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. MODULAÇÃO DE EFEITOS.
PRINCÍPIOS DA CONFIANÇA E DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. ACOLHIMENTO COM
EFEITOS MODIFICATIVOS.
1.
Possível a oposição de embargos de declaração,
com pedido de efeitos modificativos, visando a integrar-se acórdão resultante
do julgamento de recurso extraordinário na sistemática da repercussão geral,
mormente considerados os efeitos gerais decorrentes do exame das teses por
amostragem e a necessidade de balizamentos claros dos limites do
pronunciamento, encerrando-se definitivamente a controvérsia.
2.
Cumpre esclarecer que: a) a percepção de quintos
em virtude de decisão judicial transitada em julgado obsta a desconstituição do
recebimento das verbas pelo Poder Público, dado não ser o pronunciamento em
repercussão geral fundamento suficiente para, isoladamente, ensejar o
ajuizamento da ação rescisória; b) o lançamento da rubrica realizado
administrativamente, há mais de cinco anos, sem questionamento judicial, leva a
concluir-se pela incidência da decadência administrativa, sendo defeso proceder
a revisão em prejuízo ao particular.
3.
Requer o acolhimento dos embargos, com efeitos
modificativos, para alargar a modulação de efeitos e, em virtude das razões de
segurança jurídica e excepcional interesse social resultantes do longo período
de percepção da verba e do respectivo caráter alimentar, considerados os
princípios da irredutibilidade dos vencimentos e da confiança, preservar
nominalmente o pagamento da parcela, como vantagem pessoal a ser absorvida por
aumentos futuros a serem concedidos aos atingidos.
4. Recurso
que se requer o conhecimento e o provimento, comefeitos modificativos no
tocante à modulação de efeitos.
O Procurador-Geral da República vem opor EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ao acórdão do
Plenário dessa Corte Suprema que julgou procedente o Recurso Extraordinário
638.115, apreciado na sistemática da repercussão geral (Tema 395), pelos fatos
e fundamentos adiante expostos.
1. DOS FATOS
O presente recurso extraordinário foi selecionado como
paradigma para o Tema 385 da Repercussão Geral: “incorporação de quintos
decorrentes do exercício de funções comissionadas e/ou gratificadas”.
Nos termos do voto condutor da Relatoria do Ministro
GILMAR MENDES,
reconheceu-se a repercussão geral do tema concernente à delimitação de direito
intertemporal relativo aos quintos incorporados por servidores públicos pelo
exercício de cargos de direção, chefia ou assessoramento, no período
compreendido entre a edição da Lei nº 9.624/98 e a Medida
Provisória nº 2.22545/01.
Conhecido e provido o recurso, por maioria e em consonância
com a manifestação anterior desta Procuradoria-Geral da República, o Tribunal
modulou os efeitos da decisão para desobrigar a devolução dos valores recebidos
de boa-fé pelos servidores até esta data, nos termos do voto do relator,
cessada a ultra-atividade das incorporações concedidas indevidamente, vencido o
Ministro MARCO AURÉLIO, que não modulava os efeitos da decisão.
Ocorre, contudo, que, dada a importância dos efeitos
pacificadores do pronunciamento em repercussão geral, o Ministério Público, em
observância ao mister constitucional de defesa da ordem jurídica e no papel de
fiscal da lei, vem requerer sejam aclarados certos aspectos sobre o âmbito de
incidência fática do acórdão formalizado e propor a ampliação do espectro da
modulação de efeitos deferida, nos termos a seguir expostos.
2. DO CABIMENTO
DOS EMBARGOS: A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO
GERAL E A POSSIBILIDADE
DE DISCUSSÃO DOS PARÂMETROS DE APLICAÇÃO DO JULGADO E DA MODULAÇÃO DE SEUS EFEITOS NO RECURSO INTEGRATIVO
Primeiramente, saliente-se que não se pretende, mediante os
presentes embargos, rediscutir a conclusão a que chegou o Plenário sobre o
mérito do recurso, com a qual o Ministério Público já manifestou concordância.
Entretanto, o julgamento de teses possui peculiaridades que
conduzem a uma compreensão ímpar do conceito de omissão.
A sistemática do exame por temas veio racionalizar os
trabalhos do Supremo Tribunal Federal, com o fim de permitir-lhe, com a fixação
das teses, o cumprimento de sua missão de guardião da Constituição. Dessa
abstratividade resulta, como consectário lógico natural, que, acaso entenda a
Suprema Corte pela identidade de elementos determinantes entre a hipótese e um
grupo de outras possíveis causas, deve, desde já, consolidar diretriz de forma
a solucionar todas as possíveis idênticas controvérsias. Dialoga com tal
previsão, inclusive, a possibilidade de ingresso, como amici curiae, de outros interessados no caso em discussão.
Em síntese, rememoram-se as palavras da Ministra ELLEN
GRACIE quando do voto na Reclamação 10.793:
O instituto da repercussão
geral sobreveio como instrumento para desafogar o Supremo Tribunal Federal e
racionalizar a sua atividade jurisdicional, restringindo o conhecimento dos
recursos extraordinários àqueles que apresentem questão constitucional de tal
relevância que sua solução seja do interesse da sociedade e não apenas das
partes. Daí porque se tem falado na objetivação do julgamento dos recursos
extraordinários a partir da implantação do requisito da repercussão geral. (DJe, 6 jun. 2011)
Ocorre que, ao fazer uso desse dever-poder, a Suprema Corte
assume o ônus de dilatar o exame do recurso, que deixa de centrar-se na causa para
ser focado na controvérsia nele revelada. A depender do grau de abstração da
tese reconhecida como relevante no Plenário Virtual, será necessário, para o
deslinde do conjunto amostral, que se proceda com a devida cautela,
explicitando-se, ao máximo, a esfera de aplicação de cada entendimento.
Trata-se de verdadeiro mandado de otimização da atuação
judicante, coadunado com os princípios da efetividade e da eficiência da
prestação jurisdicional. Confere-se ao Supremo Tribunal, aqui, o prudente juízo
de definir o grau de generalidade do qual se dotará a fixação da tese,
permitindo-se que se resolva o máximo de controvérsias, em observância,
inclusive, do postulado da celeridade processual, mas sem despir de tal maneira
o caso de seus elementos essenciais que se inviabilize sua resolução adequada.
Sabe-se hercúlea a tarefa e, por tal razão, ganham os
embargos de declaração nova dimensão. Constituem-se em oportunidade para que o
Ministério Público e as partes possam destacar pontos de relevo envolvidos no
deslinde da questão, evitando a necessidade de um novo pronunciamento da Corte
Suprema no futuro. Assim, conquanto possa não existir omissão ou obscuridade,
considerados exclusivamente os termos da causa deduzida ao Tribunal na via
extraordinária, o exame da tese, que impõe a análise de seus diversos matizes,
conduz ao imperativo de esclarecimento de determinados pontos de eminente
interesse jurídico e social, notadamente seus efeitos.
Tal assertiva serve tanto para o esclarecimento do âmbito
de aplicação do julgado proferido, facilitando a tarefa de distinguish que também se impõe aos demais operadores do sistema na
sistemática da amostragem, como à discussão da própria modulação de efeitos do
acórdão. Nesta última acepção, válido recordar a lição do Ministro AYRES
BRITO, nos Embargos de Declaração na Ação Direta de
Inconstitucionalidade 2.797:
Nesse fluxo
de ideias, é de se ter em mente que os embargos de declaração integram o
julgado e consistem em meio de aperfeiçoamento da prestação jurisdicional. Se
compete a esta nossa Instância Judicante, mesmo não havendo pedido das partes,
modular os efeitos da decisão se presentes razões de segurança jurídica ou de
excepcional interesse social, a omissão em suscitar o debate sobre o
cumprimento dessas razões é também nossa. E os embargos de declaração
constituem a última fronteira processual apta a impedir que a decisão de
inconstitucionalidade com efeito retroativo rasgue nos horizontes do Direito
panoramas caóticos, do ângulo dos fatos e relações sociais. É dizer, panoramas
em que a não salvaguarda do protovalor da segurança jurídica implica ofensa à Constituição
ainda maior do que aquela declarada na ação direta. Passando o sistema
constitucional a experimentar desequilíbrio entre o que se perde e o que se
ganha com a declaração mesma de inconstitucionalidade. (DJe, 7 fev. 2013)
Assim, inquestionável o cabimento dos embargos de
declaração para esclarecer os parâmetros de aplicação do presente julgado e a
amplitude da modulação de efeitos nele operada. Acresce, como consectário
lógico natural, a legitimidade do Ministério Público para opô-los, em observância
à missão constitucional de defesa da ordem jurídica, o que implica,
inafastavelmente, a preocupação com a pacificação social efetiva, que vá além
da mera consagração formal da coisa julgada e se afirme como bússola nas
práticas dos envolvidos em suas legítimas expectativas.
A pretensão, aqui, é esclarecer o teor do julgado nos
pontos especificamente indicados, para que não paire qualquer dúvida a esse
respeito e não se repitam inúmeras causas, eternizando a discussão no
Judiciário brasileiro.
São apontadas, portanto, as seguintes omissões: (I)
abrangência do pronunciamento quanto aos beneficiados por decisão judicial
transitada em julgado; (II) abrangência do pronunciamento quanto aos
beneficiados por decisão administrativa prolatada há mais de cinco anos e não
impugnada judicialmente; (III) modulação de efeitos em observância à
irredutibilidade de vencimentos e à segurança jurídica.
3. DAS OMISSÕES
DO ACÓRDÃO 3. I. DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA COISA JULGADA:
ESCLARECIMENTO ACERCA DA ABRANGÊNCIA DO PRONUNCIAMENTO
QUANTO AOS BENEFICIADOS POR DECISÃO
JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO
A questão debatida neste tema, em razão
das múltiplas relações entre a Administração e seus agentes, foi trazida, em
diferentes momentos, ao Judiciário. Acresce que, até considerado o entendimento
anteriormente prevalecente no sentido da ausência de questão constitucional a
ser apreciada pelo Pretório Excelso, várias causas já foram decididas, com
decisão transitada em julgado e consequente inscrição da rubrica nas
remunerações dos envolvidos.
É preciso salientar, portanto, tendo em
conta a garantia constitucional da coisa julgada (art. 5º,
XXXVI), que o mero julgamento, em repercussão geral, não tem o condão de
desconstituir os títulos judiciais anteriormente formados.
Surge relevante, aqui, a distinção entre
eficácia normativa e eficácia instrumental (ou executiva) dos pronunciamentos
de inconstitucionalidade da Corte Suprema, em processos objetivos e em
processos abstrativizados ou dotados de eficácia expansiva. Esta última reclama
atuação, em instrumento próprio (recurso ou ação rescisória), da parte do
interessado, não obstante a habilidade do controle de constitucionalidade de
eventualmente até expungir a norma do ordenamento jurídico.
O debate foi recentemente travado no
Recurso Extraordinário 730.462, relatado pelo Ministro TEORI ZAVASKI
e cujo acórdão ainda não foi publicado, assim noticiado no Informativo 787 da
Corte:
A decisão do
Supremo Tribunal Federal que declara a constitucionalidade ou a
inconstitucionalidade de preceito normativo não produz a automática reforma ou
rescisão das decisões anteriores que tenham adotado entendimento diferente.
Para que haja essa reforma ou rescisão, será indispensável a interposição do
recurso próprio ou, se for o caso, a propositura da ação rescisória própria,
nos termos do art. 485, V, do CPC, observado o respectivo prazo decadencial
(CPC, art. 495). Com base nessa orientação, o Plenário negou provimento a
recurso extraordinário em que discutida a eficácia temporal de decisão
transitada em julgado fundada em norma superveniente declarada inconstitucional
pelo STF. À época do trânsito em julgado da sentença havia preceito normativo segundo
o qual, nos casos relativos a eventuais diferenças nos saldos do FGTS, não
caberiam honorários advocatícios. Dois anos mais tarde, o STF declarara a
inconstitucionalidade da verba que vedava honorários. Por isso, o autor da ação
voltara a requerer a fixação dos honorários. Examinava-se, assim, se a
declaração de inconstitucionalidade posterior teria reflexos automáticos sobre
a sentença anterior transitada em julgado. A Corte asseverou que não se poderia
confundir a eficácia normativa de uma sentença que declara a
inconstitucionalidade — que retira do plano jurídico a norma com efeito “ex
tunc” — com a eficácia executiva, ou seja, o efeito vinculante dessa decisão. O efeito vinculante não nasceria da
inconstitucionalidade, mas do julgado que assim a declarasse. Desse modo, o
efeito vinculante seria “pro futuro”, isto é, da decisão do Supremo para
frente, não atingindo os atos passados, sobretudo a coisa julgada. Apontou que,
quanto ao passado, seria indispensável a ação rescisória. Destacou que, em algumas
hipóteses, ao declarar a inconstitucionalidade de norma, o STF modularia os
efeitos para não atingir os processos julgados, em nome da segurança jurídica.
RE
730462/SP, rel. Min. Teori Zavascki, 28.5.2015. (Destaques acrescidos –
Informativo 787 - 25 a 29 de maio de 2015).
Saliente-se que o raciocínio acima
esposado, ainda que decorrente de julgamento em controle concentrado, se ajusta
com ainda mais precisão à repercussão geral. O propósito desta, após o
reconhecimento da tese, é fixar premissa pro
futuro aplicável aos casos sobrestados e aos que vierem a ser levados ao
Judiciário. Já os a ela anteriores, com crivo devidamente aperfeiçoado, não são
automaticamente desconstituídos.
Acresça-se que o caso em análise, nos dizeres do Enunciado
343 do Supremo, revela indiscutível
interpretação controvertida. Assim, na forma decidida pelo Plenário, no Recurso
Extraordinário 590.089, sequer há espaço para se alegar, com base no
pronunciamento da Corte, violação à literal disposição de lei, como fez constar
o Ministro MARCO AURÉLIO na ementa do citado precedente:
AÇÃO RESCISÓRIA VERSUS
UNIFORMIZAÇÃO DA
JURISPRUDÊNCIA. O Direito
possui princípios, institutos, expressões e vocábulos com sentido próprio, não
cabendo colar a sinonímia às expressões “ação rescisória” e “uniformização da
jurisprudência”.
AÇÃO
RESCISÓRIA – VERBETE Nº 343 DA SÚMULA DO SUPREMO. O Verbete nº
343 da Súmula do Supremo deve de ser observado em situação jurídica na qual,
inexistente controle concentrado de constitucionalidade, haja entendimentos
diversos sobre o alcance da norma, mormente quando o Supremo tenha sinalizado,
num primeiro passo, óptica coincidente com a revelada na decisão rescindenda.
Assim, visando a evitar a multiplicação
de ações infrutíferas na 1ª instância e com o fim de, antecipadamente,
estabilizar o debate sobre a temática, é imperativo explicitar-se no acórdão,
como resultado do exame dos presentes embargos, que os servidores amparados por
decisão judicial transitada em julgado continuam com o direito de perceberem os
quintos, na sistemática nela prevista, sendo incabível ação rescisória contra a
decisão com base exclusivamente em violação à literal disposição de lei.
3. II. DA DECADÊNCIA
ADMINISTRATIVA: ESCLARECIMENTO ACERCA DA
ABRANGÊNCIA DO PRONUNCIAMENTO
QUANTO AOS BENEFICIADOS
POR DECISÃO ADMINISTRATIVA PROLATADA HÁ MAIS DE CINCO ANOS E NÃO
IMPUGNADA JUDICIALMENTE
Desde 2002, vários
órgãos reconheceram administrativamente o direito de servidores à incorporação
dos quintos: Superior Tribunal Militar (Questão Administrativa
2005.01.0003069/DF, Sessão de 11 de maio de 2005); Tribunal Superior do
Trabalho (PA TST 23.456/2002); Conselho da Justiça Federal (Processo
Administrativo 2004164940 – decisão de 14
de dezembro de 2004); Superior Tribunal de Justiça (Processo STJ 2.389/2002,
decisão de 14 de dezembro de 2004); Ministério Público da União (Processo
1.00.000.010770/2004-47 – decisão de 21 de dezembro de 2004); e Câmara dos
Deputados (Processo 001.980/2005, decisão de dezembro de 2005).
Apesar de constarem do processo e de
estarem imunizadas por força do art. 54 da Lei 9.784/1999, o acórdão embargado
não se pronunciou sobre essas decisões, tampouco sobre a decadência
administrativa.
Não é demais lembrar o que dispõe o caput do referido dispositivo legal:
Art. 54. O direito da Administração de anular
os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários
decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada
má-fé.
Em diversas situações, o Supremo
Tribunal Federal assegurou a incidência da citada regra e destacou a aplicação
do princípio da segurança jurídica. Precedentes recentes: MS 31.477 AgR,
Relator Ministro DIAS TOFFOLI,
DJ, 13 mai. 2015 e MS 29.270 AgR,
Relator Ministro DIAS TOFFOLI, DJ, 2 jun. 2014.
É certo que o entendimento da Corte
Suprema é de que a decadência não se aplica a situação “flagrantemente inconstitucional” ou de “inconstitucionalidade prima
facie evidente”[1]. A exceção, contudo,
não pode ser invocada para afastá-la no presente caso.
Com efeito, a
complexidade da causa, a ausência de entendimento uniforme entre órgãos do
Judiciário a seu respeito, o tempo em que a questão vem sendo debatida e até
mesmo a ausência de unanimidade entre os próprios ministros da Corte Cons-
Nacional de Justiça. Decisão
que determina ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará que promova o
desligamento dos servidores admitidos irregularmente sem concurso público após
a Constituição Federal de 1988. Aplicação direta do art. 37, caput e inciso II,
da CF. Decadência administrativa. Art.
54 da Lei 9.784/1999. Inaplicabilidade em situações flagrantemente
inconstitucionais. Apreciação conjunta, pelo CNJ, de pedidos de
providências com objetos similares. Possibilidade. Desnecessidade de nova
intimação. Duração razoável do processo. Apreciação das razões de defesa pelo
CNJ e por comissão especialmente instituída no TJPA. Contraditório e ampla
defesa assegurados. Agravo regimental não provido. 1. Configura o concurso
público elemento nuclear da formação de vínculos estatutários efetivos com a
Administração, em quaisquer níveis. 2. Situações
flagrantemente inconstitucionais como o provimento de cargo na Administração
Pública sem a devida submissão a concurso público não podem e não devem ser
superadas pela simples incidência do que dispõe o art. 54 da Lei 9.784/1999,
sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal.
(Precedente: MS nº 28.297/DF, Relatora a Ministra Ellen Gracie, Tribunal Pleno,
julgado , DJ de 29/4/11). 3. Quando configurada a identidade de objetos, não há
violação do contraditório, mas, antes, respeito à duração razoável do processo,
na análise conjunta pelo CNJ de pedidos de providência paralelamente
instaurados naquele Conselho. Fica dispensada, na hipótese, nova intimação dos
interessados, máxime quando suas razões forem apreciadas pelo CNJ e por
comissão especialmente instituída no tribunal para o qual for dirigida a ordem
do Conselho. 4. Agravo regimental não provido.” (Destaques acrescidos - MS
29.270 AgR, Relator Ministro DIAS TOFFOLI, DJ, 2 jun. 2014). e “[...] 4. In casu, a situação de flagrante inconstitucionalidade não
pode ser amparada em razão do decurso do tempo ou da existência de leis locais
que, supostamente, agasalham a pretensão de perpetuação do ilícito. 5. A inconstitucionalidade prima facie evidente impede que se
consolide o ato administrativo acoimado desse gravoso vício em função da
decadência.
titucional em torno do tema demonstram que
não se trata de situação “flagrantemente
inconstitucional” ou de “inconstitucionalidade prima facie evidente”.
É crucial, então, que, na modulação dos
efeitos da decisão conste também a manutenção das incorporações implementadas
há mais de cinco anos.
3. III. DA MODULAÇÃO
DE EFEITOS: IMPERATIVO
DE AMPLIAÇÃO, EM
OBSERVÂNCIA À IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS
E À SEGURANÇA
JURÍDICA
A irredutibilidade
de vencimentos é garantia constitucional (art. 37, XV), tal qual assegurado
pelo próprio Supremo2. O mero julgamento, em repercussão geral, não
tem o condão de desconstituir os títulos judiciais anteriormente formados e as
decisões administrativas deferidas com a finalidade de assegurá-la aos
servidores.
A redução de remuneração da categoria
profissional pública tem efeito muito mais abrangente do que o mero desfalque
no orçamento individual de cada agente. A decisão que nega a garantia
Precedentes:
MS 28.371 AgR/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, DJe 27.02.2013; MS
28.273 AgR, Relator Min. Ricardo
Lewandowski, Tribunal Pleno,
DJe 21.02.2013; MS 28.279, Relatora Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJe
29.04.2011.” (Destaques acrescidos - MS 26.860, Relator Ministro LUIZ
FUX, Tribunal Pleno, DJ,
23 set. 2014).
2 Nesse
sentido: RE 696.009 AgR, Relator Ministro LUIZ FUX,
Primeira Turma, DJ, 2 out. 2012;
da irredutibilidade, como a aqui embargada,
repercute nas próprias manifestações de vontade que os agentes públicos
formalizam enquanto agentes do Estado. A ofensa à irredutibilidade de
vencimentos, hoje estendida não apenas aos magistrados, mas a todos os
servidores públicos, pode abalar até mesmo a estrutura e as relações dos
poderes constituídos.
O caráter de direito supraindividual da irredutibilidade de
subsídios foi reconhecido pela Suprema Corte dos Estados Unidos há tempos. Tal
como defendido pelo Relator do caso na Suprema
Corte norte-americana, CHIEF
JUSTICE
WARREN
BURGER,
a irredutibilidade dos vencimentos não é apenas um “direito dos
jurisdicionados”, mas sim um garantia “dos administrados”[2].
De acordo com ANSELMO HENRIQUE CORDEIRO
LOPES,
pode-se dizer tratar-se de uma “prerrogativa do povo”, que decorre do mesmo
ideário do Estado de Direito, porquanto tutela o bem jurídico fundamental
segurança, sob a ótica dos administrados, do povo em geral, da categoria de
agentes públicos e individual do agente. Destaca o autor o interesse da
categoria, em primeiro lugar, por garantir para que a carreira não perca
dignidade e prestígio, não se desfaleça em decorrência da baixa remuneração e
não passe a enfrentar patologias administrativas. Eis, na sua lição, o
verdadeiro interesse da segurança administrativa[3].
A garantia está, ademais, diretamente relacionada à
segurança jurídica, sobretudo se considerado ter sido a questão enfrentada em
diversos procedimentos administrativos, nos respectivos órgãos, e litígios
judiciais submetidos à apreciação e julgamento, inclusive, do Supremo Tribunal
Federal.
Nesse contexto, convém relembrar o que destacou o Relator
do presente feito, Ministro GILMAR MENDES, ao proferir
voto no julgamento da Questão de Ordem na Petição 2.900, a respeito do
princípio da segurança jurídica:
A propósito
do direito comparado, vale a pena trazer à colação clássico estudo de Almiro do
Couto e Silva sobre a aplicação do aludido princípio [segurança jurídica]:
“É
interessante seguir os passos dessa evolução. O ponto inicial da trajetória
está na opinião amplamente divulgada na literatura jurídica de expressão alemã
do início do século de que, embora inexistente, na órbita da Administração
Pública, o principio da res judicata,
a faculdade que tem o Poder Público de anular seus próprios atos tem limite não
apenas nos direitos subjetivos regularmente gerados, mas também no interesse em
proteger a boa fé e a confiança (Treue und Glauben) dos administrados.
(...)
Esclarece
OTTO BACHOF que nenhum outro tema despertou maior interesse do que este, nos
anos 50 na doutrina e na jurisprudência, para concluir que o princípio da
possibilidade de anulamento foi substituído pelo da impossibilidade de
anulamento, em homenagem à boa fé e à segurança jurídica. Informa ainda que a
prevalência do princípio da legalidade sobre o da proteção da confiança só se
dá quando a vantagem é obtida pelo destinatário por meios ilícitos por
como
garantia fundamental coletiva, p, 8. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/10202/a-irredutibilidade-remuneratoria-comogarantia-fundamental-coletiva. Acesso em:
10 ago. 2015.
ele
utilizados, com culpa sua, ou resulta de procedimento que gera sua
responsabilidade. Nesses casos não se pode falar em proteção à confiança do
favorecido. (Verfassungsrecht, Verwaltungsrecht, Verfahrensrecht in der
Rechtssprechung des Bundesverwaltungsgerichts, Tübingen 1966, 3. Auflage, vol.
I, p. 257 e segs.; vol. II, 1967, p. 339 e segs.). Embora do confronto entre os
princípios da legalidade da Administração Pública e o da segurança jurídica
resulte que, fora dos casos de dolo, culpa etc., o anulamento com eficácia ex tunc é sempre inaceitável e o com
eficácia ex nunc é admitido quando
predominante o interesse público no restabelecimento da ordem jurídica ferida, é absolutamente defeso o anulamento quando
se trate de atos administrativos que concedam prestações em dinheiro, que se
exauram de uma só vez ou que apresentem caráter duradouro, como os de
índole social, subvenções, pensões ou proventos de aposentadoria.” […]
Considera-se, hodiernamente, que o tema tem, entre nós, assento constitucional
(princípio de Estado de Direito) e está disciplinado parcialmente, no plano
federal, na Lei nº 9.784, de 29 […] a segurança jurídica, como subprincípio do
Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel
diferenciado na realização da própria ideia de justiça material. (DJ, 1º ago. 2003).
Dessa forma, na ponderação entre o princípio da legalidade,
invocado como fundamento do acórdão embargado e o princípio da segurança
jurídica, ambos de hierarquia constitucional, deve preponderar este último. É
que o poder-dever do Judiciário de realizar o controle dos atos
administrativos, com a possibilidade de invalidá-los, encontra limite temporal
no princípio da segurança jurídica, não podendo os administrados ficar
indefinidamente sujeitos à instabilidade originada da indefinição judicial a
respeito de determinados temas.
4. DO PEDIDO
Ante o exposto, requer o Procurador-Geral da República
sejam acolhidos os embargos, deixando-se expressa a modulação dos efeitos para
que não sejam atingidos os servidores amparados por decisão judicial transitada
em julgado e por decisão administrativa proferida há mais de cinco anos.
Brasília (DF), 12 de agosto de 2015.
Rodrigo Janot Monteiro
de Barros
Procurador-Geral da República
JCCR/LCF/BIAA
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