CONTRATAÇÃO DIRETA FUNDADA NO ART. 24, VIII, DA LEI Nº 8.666/93: O PARADIGMA DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRÁFOS (EBCT)
A mudança da visão
de mundo proporcionada pela utilização da tecnologia da informação tem gerado uma
consciência coletiva em busca da melhoria de vida do homem em sociedade e, por
corolário, dos serviços postos à sua disposição pelo Estado.
A
par desse processo evolutivo, cabe referir que a Administração Pública, desde
do Decreto-Lei nº 200, de 1967, foi estimulada a buscar parceria com a
iniciativa privada para melhor administrar os serviços tidos como
meramente acessórios (atividade-meio), e, desta feita, "melhor
desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle",
e, por derradeiro, impedir o "crescimento desmensurado da máquina
administrativa"[1].
Desse modo, pode-se dizer que o
nosso Direito Positivo, há quase meio século, abriu as portas para a intitulada
terceirização com vistas a consolidar a eficiência da máquina
administrativa.
Hodiernamente, a modificação
da cultura organizacional decorrente dos avanços tecnológicos - ainda em plena
efervescência - trouxe novas perspectivas ao processo de parcerias com a
iniciativa privada, alterando a feição do processo de descentralização antes
não imaginado pelo legislador pátrio, fato que tem impulsionado a Administração
a incorporar à sua gestão modelos e paradigmas naturais dentro desse processo
evolutivo. O problema é que, amarrada a um sistema jurídico que lhe impõe
limitações, toda evolução depende, inexoravelmente, da conformidade desse
processo às regras gestadas e vigentes.
À luz do breve cotejo,
destacam-se os casos das contratações diretas pautadas no Art. 24, inciso VIII,
da Lei nº 8.666, de 1993, que ora já recebeu do Tribunal de Contas da União a inteligência
necessária à sua aplicabilidade, sedimentada em debates doutrinários,
de onde se haure o rol de exigências que restringem a margem de liberdade do
gestor público no bojo da celebração das parcerias com entidades públicas ou
privadas fundadas no citado preceito legal. Para melhor entender o disposto
no inciso VIII do Art.24 da Lei nº 8.666/93, abre-se um parêntese a sua transcrição:
"Art.24.
É dispensável a licitação:
[...]
VIII
- para aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno de bens
produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a
Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data
anterior à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com
o praticado no mercado."
A
leitura do dispositivo submete a Administração a avaliar os seguintes
requisitos para legitimação da contratação em epígrafe: "a) o
contratante seja pessoa jurídica de direito público interno; b) o contratado
seja órgão ou entidade que integre a Administração Pública; c) o contratado
tenha sido criado para o fim específico do objeto pretendido pela Administração
contratante, d) a criação do órgão ou entidade contratada tenha ocorrido antes
da vigência da Lei nº8.666/93; e, e) o preço seja compatível com o praticado no
mercado.[2]"
Poucas
são as dúvidas que exsurgem em relação ao exame das alíneas "a" e
"b" acima relacionadas, o que já não ocorre com as demais, que estão
sujeitas à melhor interpretação sob o escopo dos princípios que autorizam a
dispensa de licitação, mormente no que tange à finalidade ou o fim específico
do órgão/ente. No presente caso, cuidar-se-á da EBCT.
É especificamente quanto à
contratação da EBCT que a situação mereceu do Tribunal de Contas da União maior
debate jurídico, vindo à baila orientação primeira no sentido de que a "atividade
de logística integrada" ao serviço postal não se encontra inserida
no fim específico daquela entidade e, como tal, não seria
possível a contratação direta da empresa pública para prestação de serviços
sedimentada nessa atividade acessória[3],
a exemplo do que muitos órgãos estavam a acolher.
Pois bem, no dia 21 de
julho deste ano, o Tribunal de Contas finalmente pôs fim a qualquer
controvérsia ainda presente sobre o tema ao responder, em grau de consulta e,
portanto, em caráter normativo, acerca da possibilidade de contratação da EBCT
para prestação de serviço de logística por dispensa de licitação. Eis notícia
veiculada no site daquele Órgão de Contas:
Tribunal de Contas da União
(TCU) analisou consulta sobre a legalidade da contratação direta da Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) para a prestação de serviços de
logística, com dispensa de licitação.
Deliberações anteriores do
TCU fundamentaram que a contratação direta, para ser considerada regular,
precisa atender a alguns pressupostos, como o contratante ser pessoa jurídica
de direito público interno e o contratado integrar a Administração Pública. Além
disso, o contratado deve ter sido criado antes da Lei de Licitações com a
finalidade específica de prestar o serviço objeto do contrato e o preço
contratado precisa ser compatível com o praticado no mercado.
Na avaliação do TCU, os
serviços de logística prestados pela ECT não integram o serviço postal, mas são
atividade acessória, própria de atividade econômica exercida em regime de livre
concorrência. Em decisões anteriores, a exemplo do Acórdão 6.931/2009-TCU-1ª
Câmara, o tribunal reforçou seu entendimento de que apenas as entidades que
prestam serviços públicos de suporte à Administração Pública, criadas para esse
fim específico, podem ser contratadas com dispensa de licitação.
Ainda que os serviços de
logística fossem classificados como serviço postal, não caberia a dispensa de
licitação, porque a ECT não foi criada para atender esse tipo específico de
demanda.
O entendimento do tribunal é
de que o serviço de logística é uma atividade econômica em sentido estrito,
sobre a qual não recai, até o momento, nenhuma reserva de monopólio para a
União. Além disso, a alegação da ECT de que os serviços de logística seriam uma
espécie de serviço postal não encontra respaldo, pois não se verifica afinidade
entre os dois serviços.
Dessa forma, o TCU confirmou
a jurisprudência de que não é possível a contratação direta da Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos para prestação de serviços de logística,
mediante dispensa de licitação baseada em previsão da Lei de Licitações.
O relator do processo é o
ministro Bruno Dantas.”
A decisão foi objeto do
Acórdão TCU nº 1800/2016 -Plenário, já disponível para a pesquisa dos
interessados e certamente terá repercussões na esfera governamental diante das
premissas albergadas.
No campo das parcerias
possíveis, esta é mais uma porta que se fecha, mormente em uma área de
atividade cuja expertise ainda é deficiente em nível Brasil. Não obstante,
restou assentada a partir de então as diretrizes para a escorreita aplicação do
Art. 24, inciso VIII, da Lei nº 8.666/93, no que tange aos requisitos
específicos que dele emana e que, como dito, ainda se prestavam a controvérsias[4].
Maria Lúcia Miranda Alvares - Pós-Graduada em Direito
Administrativo/UFPA, autora do livro Regime Próprio de Previdência Social
(Editora NDJ) e do Blog Direito Público em Rede, colaboradora de revistas
jurídicas na área do Direito Administrativo. Palestrante, instrutora e
conteudista de cursos na área do Direito Administrativo. Exerceu por mais de 16
anos o cargo de Assessora Jurídico-Administrativa do TRT 8ª Região, onde também
ocupou os cargos de Diretora do Serviço de Desenvolvimento de Recursos Humanos
e Diretora da Secretaria de Auditoria e Controle Interno. Pesquisadora do Grupo
de Estudos e Pesquisa Eneida de Moraes (GEPEM).
[1] Art.
10 do DL nº200/67: "Art. 10......§ 7º Para melhor
desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle
e com o objetivo de impedir o crescimento desmensurado da máquina
administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material
de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta,
mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada
suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de
execução."
[2] A enumeração dos requisitos foi extraída da
obra Contratação Direta sem Licitação, de Jacoby Fernandes, 8 ed. Belo
Horizonte:Editora Fórum, 2008, p. 380.
[3] Acórdão nº 6931/2009 - 1ª Câmara e
outros.
[4]
Vale a leitura do Parecer AGU /CGU/JCBM/0019/2011, citado no Acórdão e que embasou diversas contratações.
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