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DESAPOSENTAÇÃO: O ÚLTIMO SUSPIRO

Em artigo de nossa lavra, amplamente divulgado, inclusive neste Blog, concluímos que a decisão do Supremo Tribunal Federal que rechaçou a desaposentação, tratada como benefício previdenciário e extirpada do âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) sob fundamento de ausência de amparo legal, não se aplicaria ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) diante de sua roupagem específica.

Vale lembrar o que foi dito no citado artigo:

  (iv) Repercussão da decisão do STF no RPPS            
          O Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria, que a desaposentação é figura inaplicável no campo do RGPS ante a inexistência de sua previsão na legislação previdenciária[1]. Esse fundamento foi permeado por outros que o circundaram[2], a saber:
 Ø  no RGPS, a criação de qualquer benefício somente pode ocorrer mediante lei, haja vista que a Constituição (Arts. 194 e 195) remete à “legislação ordinária as hipóteses em que as contribuições vertidas ao sistema previdenciário repercutem, de forma direta, na concessão dos benefícios.”
Ø  existência de contraposição entre a desaposentação e o fator previdenciário, este enquanto instrumento criado para combater as aposentadorias precoces acabaria por ficar limitado diante do estímulo à inatividade ocasionado pela desaposentação.
Ø  a feição contributiva e solidária do sistema significa que todos devem arcar com a sua sustentabilidade, de modo que o equilíbrio do sistema não se dá entre a contribuição e o financiamento do benefício;
Ø  a feição estatutária ou institucional e não contratual do RGPS, inteiramente regrado por lei, não confere espaço para intervenção individual, de modo que a ausência de previsão legal do direito equivale à inexistência de dever de prestação por parte da Previdência Social;
Ø  a Constituição não estabelece vínculo entre o recolhimento da contribuição previdenciária e o benefício recebido e que a regra da contrapartida, prevista no § 5º do seu art. 195, significa que não se pode criar um benefício ou serviço da Seguridade Social sem a correspondente fonte de custeio.      
A par dos fundamentos, percebe-se que o direito à desaposentação foi tratado como um benefício e não propriamente como um direito à renúncia de um bem jurídico disponível, consoante jurisprudência até então pacífica dos tribunais pátrios.
Sob tal ótica, o benefício deveria estar previsto em lei para assim autorizar o seu exercício pelo titular e, em contrapartida, o dever de ser satisfeito pelo órgão gestor de previdência. Essa é, na verdade, a regra para a concessão de todo benefício previdenciário, seja ele do setor público ou privado: previsão legal.Mas a desaposentação não é um benefício previdenciário. A desaposentação é um direito de renúncia a um benefício –benefício a que tem jus o segurado por conta do implemento das condições dispostas nas regras previdenciárias conjugadas com a vontade dele usufruir. A vontade do segurado é o elemento que se agrega à concessão do benefício. E o sentido de renunciar está diretamente relacionado com a essa vontade. É a vontade invertida.Essa conotação parte da premissa de que a aposentadoria, no modelo brasileiro, passou a assentar-se, preponderantemente, no que se convencionou chamar de a lógica do seguro[3], erigindo-se como uma propriedade social de seu titular e enquanto tal, disponível ao exercício de renúncia ou dispensa. Essa dimensão, todavia, não foi acolhida pelo Excelso Pretório que assentou os fundamentos de sua decisão na solidariedade do regime, cuja base – escorada principalmente na lógica da assistência – também não parece se contrapor à atuação da desaposentação.A saber:É importante deixar claro que, a aposentadoria, no Brasil, seja a prevista no RGPS, seja a regrada pelo RPPS, passou a assumir, após as ondas de reformas da Previdência, um contexto efetivamente contributivo. Ou melhor, as contribuições vertidas ao sistema condicionam a sua concessão. Não existe benefício previdenciário, no Brasil, sem contribuição. Já passamos da época do tempo de serviço. Hoje estamos no tempo de contribuição, o que não significa estarmos diante de um sistema de capitalização, pois faltam as bases fundantes para tanto. Mas o caminho que se está seguindo é da capitalização escritural, porque, sem dúvida, no sistema brasileiro atual, se condiciona o benefício à contribuição, de modo que a solidariedade invocada como alicerce de sustentação dos regimes de previdência merece ser interpretada à luz do contexto em que se insere a Previdência no âmbito da Seguridade Social.Em outras palavras, tomam-se os fundamentos da Seguridade Social, que alberga a saúde, a previdência e a assistência, cuja diversidade das bases de financiamento é efetivamente solidária, assim traduzida pelo escopo do Art. 195 da Constituição, e os transferem isoladamente para Previdência Social, não obstante a efetiva especialização da fonte de custeio a ela destinada e intensificada pós-reformas[4].
Ademais, confunde-se solidariedade com o regime de financiamento do sistema. Não que não exista vínculo entre um e outro, mas o formato de financiamento do regime de previdência não significa solidariedade, conforme acaba sendo assimilado. Pelo menos em um contexto jus-político. Adote como exemplo a aposentadoria no RPPS antes das reformas: a sua base de financiamento era totalmente orçamentária, sustentada por tributos gerais, mediante cotização obrigatória de toda coletividade. Dessa constatação, pode-se dizer que todos contribuíam para a aposentadoria do RPPS e, como tal, imanente a solidariedade do regime. Com as reformas, a especialização da fonte de custeio, patente na introdução do caráter contributivo e atuarial do sistema, se impôs a lógica do seguro, aproximando o RPPS do RGPS, onde as contribuições importam efetivamente para cobertura dos benefícios, materializando o deslocamento da previdência do escopo da solidariedade agasalhada pela Seguridade Social.No regime de repartição simples, consubstanciado na cotização obrigatória de todos que dele participam, inclusive, dos próprios aposentados e pensionistas, a sua base, no contexto pós-reforma, não deixa de denotar feição agregada a um seguro social institucionalizado, onde a especialização de contribuições para fazer face ao seu custeio empresta ao regime o formato de capitalização escritural, mediante o qual a contribuição é registrada em contas individuais que servem de base para a concessão dos benefícios[5].
Nesse contexto, fácil é perceber que a solidariedade que se diz imanente ao RGPS não confere fundamento para desconstituir a intitulada desaposentação, mormente porque a desaposentação não deve ser tida como benefício previdenciário, mas um direito dele decorrente e, como tal, pode ser exercido sem que esteja em lei previsto, pois se cuida de um direito vinculado à disponibilidade desse bem social. Ademais, a opção atual pela aposentadoria com o fator previdenciário[6], ainda presente no RGPS, somente reforça a tese da desaposentação e não o contrário, pois deixa evidenciar que o segurado pode dispor acerca do benefício que lhe for mais vantajoso.Outro aspecto importante a ser elucidado diz respeito aos efeitos do tempo de contribuição do segurado aposentado que retorna à atividade, conforme previsto no § 2º do Art. 18 da Lei nº 8.213/91. Ora, a vedação ali disposta é destinada ao segurado aposentado e não ao desaposentado.  Ao segurado que renuncia deve ser dado o direito de dispor do seu tempo de contribuição em igualdade de condições com qualquer outro segurado, posto que a renúncia rompe com o benefício de cunho continuado, a liberar o referido tempo para cômputo de uma aposentadoria mais vantajosa[7]. Nada a inviabilizar a sustentabilidade do sistema, ante a vinculação causal entre a contribuição e o benefício, como dito alhures[8] e que, também como dito, não desnatura a solidariedade do sistema, pois uma situação não invalida a outra.Nesse cotejo, resta evidenciado que os alicerces utilizados para negar o direito à desaposentação no RGPS trazem elementos de conflito sob o prisma conceitual, mormente em relação à ótica da sustentabilidade, cuja visão eminentemente jurídico-financeira acabou por anuviar a balança da justiça do Tribunal Constitucional Brasileiro. No bojo desses contrapontos, cabe a indagação: _a decisão exarada pelo STF que nega o direito à desaposentação no RGPS tem repercussão junto ao RPPS?
A resposta deve ser negativa. Não haverá, pelo menos neste primeiro momento, repercussão da decisão junto ao RPPS. E são muitos os fatores que levam a essa constatação. Cabe enumerar: Ø  diferentemente do RGPS, não existe dispositivo legal equivalente ao Art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91, na disciplina do RPPS;
 Ø  o aposentado pelo RPPS ainda se encontra amarrado às ingerências do regime jurídico-administrativo que, dentre outras limitações, veda a acumulação de proventos oriundos do RPPS com vencimentos de cargos ou empregos públicos e, como tal, submete o retorno à atividade desse segurado à reversão ao cargo antes ocupado, na forma do art. 25, II, da Lei nº 8.112/90[9]; ou à renúncia à aposentadoria para provimento em cargo efetivo decorrente de aprovação em concurso público; em ambos os casos com a possibilidade de concessão de nova aposentadoria pelas regras vigentes no momento da concessão;
 Ø  nos estatutos jurídicos que vinculam o servidor ao ente federado existem regras que autorizam o cômputo do tempo de serviço público para efeito de aposentadoria, a exemplo da prevista nos Arts. 100 e 103, da Lei nº 8.112/90, sem discriminação quanto à qualidade do segurado, se aposentado ou não;
 Ø  a concessão do benefício da aposentadoria está vinculada ao tempo de contribuição, a exemplo do que ocorre no RGPS, de modo que não existe benefício sem contribuição e nem contribuição sem benefício;
 Não se vislumbra, portanto, repercussão da decisão do STF, que negou a figura da desaposentação em sede do RGPS, no campo do RPPS.Sob tal perspectiva, entende-se inexistir impedimento para que o INSS expeça certidão de tempo de contribuição em favor de segurado do RPPS que renuncie ao benefício previdenciário concedido pelo RGPS[10], haja vista que a vedação do Art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91 é destinada ao segurado aposentado do RGPS e não do RPPS. Ademais, a aposentadoria que vier a ser concedida, com o aproveitamento do tempo de contribuição antes utilizado para o RGPS, observará as regras do RPPS, observada a compensação financeira entre os regimes.

Em que pese o entendimento esposado, que o mantemos em todos os seus termos, a interpretação que está sendo conferida pela Excelsa Corte, corroborada por decisões do Tribunal de Contas da União, vem em sentido oposto. E, realmente, já era de se esperar que isso ocorresse diante das questões de ordem político-financeiras que envolvem o sistema de Previdência Social no Brasil. Mormente nos novos-velhos tempos.

Não foi realmente uma surpresa o entendimento atualmente oferecido, na medida em que, na interpretação da legislação previdenciária, o Supremo Tribunal Federal tem hodiernamente se manifestado no sentido de restringir o campo de sua aplicabilidade. Na verdade, as teses que envolvem os cofres públicos adotadas por seus respectivos entes - e a Previdência Social sempre esteve na berlinda orçamentária/financeira em toda a sua trajetória - quase sempre obtêm êxito, como já deixou assente, inclusive, o Ministro Roberto Barroso em sua obra Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. Vale conferir


“As manifestações processuais e extraprocessuais de outros Poderes, órgãos e entidades estatais são elementos relevantes do contexto institucional em que produzidas as decisões judiciais, especialmente do Supremo Tribunal Federal. (...) . A despeito da ausência de pesquisa empírica, é possível intuir que um percentual muito significativo das decisões do STF acompanha a manifestação do Ministério Público Federal. Já a atuação da Advocacia Geral da União expressará o interesse do Poder Executivo, especialmente do Presidente da República. Em questões que envolvem a Fazenda Pública, estudos empíricos certamente demonstrariam uma atuação favorável ao erário, revelada emblematicamente por questões de vulto, como as relativas ao FGTS, à Confins ou ao IPI alíquota zero, por exemplo. Em todas elas, a Corte alterou ou a sua própria jurisprudência ou a do Superior Tribunal de Justiça, dando ganho de causa à União.”[1] (o grifo não consta do original)


Assim, até que sobrevenha uma reviravolta nessa cortina de fumaça que assola a nossa Previdência Social - cujo escurecimento contínuo parece ser o mais provável - pode-se dizer que os regimes de previdência que conhecemos hoje (RGPS e RPPS) estão equivalentes, em que pese a suas efetivas diferenças em sede legislativa. E essa triste realidade pode ser constatada por uma decisão recente do Tribunal de Contas da União cuja transcrição se impõe como medida de avaliação dos contornos em que se assumiu essa equivalência: o princípio da isonomia. Ora, nada é mais engenhoso do que jogar com a plateia dos beneficiários. 

Sem palavras, realmente, para tecer comentários. As regras hoje valem muito pouco quando são desacreditadas rotineiramente por quem deveria salvaguardá-las. Sinais do tempo. Eis a decisão do Tribunal de Contas da União, em sua integralidade:

 GRUPO II –  CLASSE VI – Plenário
TC 005.792/2017-7
Natureza: Aposentadoria
Órgão: Ministério das Relações Exteriores (vinculador)
Interessados: Mário Mannrich (601.616.128-49); Sônia Bezerra Tavares (120.345.251-91)
Representação legal: Edgard Rodrigo de Amorim Rocha, OAB/DF 39.785, e outra, representando Mário Mannrich
 SUMÁRIO: ATOS DE APOSENTADORIA. CÔMPUTO, EM UMA DAS CONCESSÕES, DE TEMPO DE SERVIÇO ORIUNDO DE RENÚNCIA A APOSENTADORIA ANTERIOR JÁ USUFRUÍDA (“DESAPOSENTAÇÃO”). IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. REGISTRO DO TÍTULO DE INATIVAÇÃO, EM CARÁTER EXCEPCIONAL, PORQUANTO EDITADO ANTERIORMENTE AO JULGAMENTO, PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 661.256, EM QUE FIXADA TESE DE REPERCUSSÃO GERAL A RESPEITO. LEGALIDADE E REGISTRO DO OUTRO ATO.
 RELATÓRIO
 Adoto como relatório o parecer subscrito pelo representante do Ministério Público nos autos, o Exmo. Sr. Procurador Sérgio Ricardo Costa Caribé:
Trata-se da apreciação, para fins de registro, de atos de concessão de aposentadoria emitidos pelo Ministério das Relações Exteriores em favor de Mario Mannrich e Sônia Bezerra Tavares nos cargos de Oficial de Chancelaria e Assistente de Chancelaria, respectivamente.
2.                                          Em análise anterior, a Secretaria de Fiscalização de Pessoal (Sefip) havia proposto, em pareceres uniformes às peças 4 e 5, a legalidade dos atos ora analisados, o que contou à época com a anuência deste membro do Ministério Público de Contas, conforme parecer constante da peça 6.
3.                                          No entanto, em razão do despacho de V. Ex.ª à peça 7, os autos retornaram àquela unidade instrutiva para que analisasse a legalidade da renúncia do servidor Mario Mannrich à aposentadoria que havia obtido em 1994 no cargo de Assistente de Chancelaria, a fim de computar o tempo de contribuição naquele cargo para a nova aposentadoria em exame.
4.                                          Segundo o referido despacho, tal análise tornou-se necessária em razão de que, em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos autos do Recurso Extraordinário (RE) 661.256, com repercussão geral reconhecida, foi repelida a possibilidade de ‘desaposentação’ no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), para a utilização do tempo de contribuição posterior à aposentadoria para a melhoria do benefício.
5.                                          Assim, considerando que o art. 40, § 12, da Constituição Federal estabelece que ‘o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social’, foi solicitado o pronunciamento da Sefip a respeito dos reflexos dessa decisão sobre o caso analisado nos presentes autos, bem como a obtenção do mapa do tempo de serviço do servidor Mario Mannrich.
6.                                          Adotadas as medidas preliminares pertinentes e reinstruídos os autos, a Sefip, em pareceres uniformes às peças 19 e 20, propugnou novamente pela legalidade de ambos os atos em análise, por entender que a decisão proferida pelo STF no RE 661.256 deve restringir-se ao Regime Geral de Previdência Social, não se aplicando, portanto, à situação do servidor Mario Mannrich, com o que manifestei anuência à peça 21.
7.                                          Não obstante, observo que V. Ex.ª, em novo despacho à peça 22, solicitou a realização da oitiva do Sr. Mario Mannrich a respeito do cômputo, para a aposentadoria no cargo de oficial de chancelaria, de tempo que havia sido utilizado para outra aposentação no cargo de assistente de chancelaria, ante a possibilidade de apreciação do seu ato pela ilegalidade.
8.                                          O ofício de oitiva foi encaminhado ao interessado em 14/11/2017 (peça 23), que trouxe aos autos suas alegações de defesa em 11/5/2018 (peça 37), alegando, em suma, o que segue (peça 40, p. 2):
a) em razão da impossibilidade de cumulação de cargos públicos e, consequentemente, de aposentadorias decorrentes do exercício de mais de um cargo público, o ex-servidor renunciou ao benefício antigo em favor do mais recente (peça 37, p. 1);
b) o RE 661.256 tratou apenas do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e não do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) ao qual estão vinculados os servidores públicos federais (peça 37, p. 2-3);
c) ademais, a decisão do Supremo Tribunal Federal tem caráter ex nunc, ou seja, não alcança atos já praticados (peça 37, p. 3);
d) existe, no art. 25 da Lei 8.112/1990, dispositivo que instituiu a possibilidade do retorno do servidor já aposentado à atividade, no interesse da administração pública, asseverando que o tempo em que o servidor estiver em exercício será considerado para a concessão de nova aposentadoria, ou seja, a própria legislação previu a possibilidade de desaposentação no serviço público (peça 37, p. 3-4).9.                                          Nesse contexto, em pareceres uniformes às peças 40 e 41, a Sefip propõe novamente a legalidade dos atos em análise, reafirmando o seu entendimento anterior de que a decisão firmada pelo STF nos autos do RE 661.256 deve restringir-se tão somente aos segurados do RGPS, não se aplicando, portanto, ao caso em análise.
10.                                      De fato, entende-se que assiste razão à Sefip e aos argumentos apresentados pelo Sr. Mario Mannrich. Isto porque a decisão proferida pelo STF no RE 661.256 é posterior à emissão do seu ato e teve por fundamento as especificidades do Regime Geral de Previdência Social, sobretudo a regra estabelecida no art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991, com redação dada pela Lei 9.528/1997, a qual dispõe, in verbis, que:
‘§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado’ (grifei).11.                                      Todavia, conforme já mencionado anteriormente, no caso do RPPS, além de não haver dispositivo legal semelhante, conforme também asseverou a unidade técnica, as normas que regem a aposentadoria dos servidores públicos são incompatíveis com o que restou decidido pelo STF em relação ao regime geral no RE 661.256.
12.                                      Diferentemente do que ocorre no regime geral, o servidor público que se aposenta não pode permanecer exercendo ou mesmo voltar a exercer atividades sujeitas ao mesmo regime, a menos que realize novo concurso público para ingressar no serviço público e respeite as regras que tratam das acumulações permitidas de cargos, o que torna a renúncia à aposentadoria para a obtenção de outra mais vantajosa uma situação pouco recorrente.
13.                                      Além disso, até mesmo a exceção prevista no art. 11 da EC 20/1998, que admitiu a acumulação de proventos de aposentadoria com os vencimentos provenientes de novo ingresso no serviço público até a data da sua publicação (como é o caso do servidor Mario Mannrich), mesmo em se tratando de cargos considerados inacumuláveis, não admitiu a percepção futura de duas aposentadorias à conta do mesmo regime.
14.                                      Por outro lado, observa-se que o referido dispositivo, ao proibir a percepção cumulativa de proventos à conta do regime próprio, previsto no art. 40 da Constituição Federal, o fez sem delimitar em qual dos cargos essa aposentadoria deveria ocorrer no futuro, o que permite concluir que restou admitida a opção pela aposentadoria mais vantajosa, senão vejamos:
‘Art. 11 - A vedação prevista no art. 37, § 10, da Constituição Federal, não se aplica aos membros de poder e aos inativos, servidores e militares, que, até a publicação desta Emenda, tenham ingressado novamente no serviço público por concurso público de provas ou de provas e títulos, e pelas demais formas previstas na Constituição Federal, sendo-lhes proibida a percepção de mais de uma aposentadoria pelo regime de previdência a que se refere o art. 40 da Constituição Federal, aplicando-se-lhes, em qualquer hipótese, o limite de que trata o § 11 deste mesmo artigo’ (destaques inseridos).15.                                      Ademais, tal situação também se coaduna com outras regras que regem os servidores púbicos federais, a exemplo do art. 133 da Lei 8.112/1990, que, ao tratar da acumulação proibida de cargos, com a redação dada pela Lei 9.527/1997, admite a opção por parte do servidor nos casos de acumulações de cargos, considerando, inclusive, haver boa-fé, caso a opção ocorra até o último dia de prazo para defesa (art. 133, § 5º).
16.                                      De outra sorte, observa-se que, se a intenção do legislador para esses casos fosse no sentido de que a aposentadoria no segundo cargo não poderia computar o tempo de contribuição empregado na primeira (o que não parece ser o caso), o servidor estaria obrigado a renunciar à primeira aposentadoria para receber os proventos da segunda, em razão da impossibilidade de acumulação dos proventos, o que evidencia uma admissão implícita do instituto da ‘desaposentação’ por parte do art. 11 da EC 20/1998.
17.                                      Tal fato também demonstra que a renúncia do servidor Mario Mannrich para computar o tempo de contribuição no primeiro cargo para obter a aposentadoria no segundo foi realizada com amparo jurídico, diferentemente da situação tratada pelo STF no RE 661.256, cuja possibilidade de aproveitamento do tempo de contribuição após a primeira aposentadoria, para a melhoria do benefício, foi expressamente vedada pelo art. 18, § 2º, da Lei 8.213/1991.
18.                                      Da mesma forma, também não se vislumbra óbice para que o interessado possa computar o tempo de contribuição empregado na primeira aposentadoria, após a sua renúncia, para a obtenção da nova aposentadoria, uma vez que o disposto no § 9º do art. 40 da Constituição Federal, ao estabelecer que o tempo de contribuição federal, estadual ou municipal deve ser contado para efeito de aposentadoria, não prevê exceções.
19.                                      Nessa mesma linha são os arts. 100 e 103 da Lei 8.112/1990, os quais estabelecem que os tempos de serviço público federal, estadual ou municipal devem ser contados para efeitos de aposentadoria, vedando apenas a contagem cumulativa de tempo de serviço prestado concomitantemente em mais de um cargo ou função, o que não é o caso tratado nestes autos.
20.                                      Por esses motivos, a despeito de o art. 40, § 12, da Constituição Federal estabelecer que ‘o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social’, reafirma-se o entendimento de que não cabe ao caso ora analisado a mesma restrição estabelecida pelo Pretório Excelso no RE 661.256.
21.                                      Assim sendo, considera-se aplicável ao caso do Sr. Mario Mannrich as jurisprudências deste Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), elencadas pela Sefip (peça 19, p. 5-7), que há muito admitem a renúncia da inativação anterior, por se tratar de direito patrimonial disponível, sujeito à renúncia, para contar o tempo de serviço na aposentadoria que ora se analisa nestes autos.
22.                                      Por último, no que tange ao equilíbrio atuarial do regime, entendo que o mesmo não restou prejudicado pelo novo ato de aposentadoria do servidor Mario Mannrich, uma vez que o mesmo preenche todos os requisitos exigidos pelo poder constituinte derivado para se aposentar no último cargo, quais sejam: vinte e cinco anos de efetivo exercício no serviço público, quinze anos de carreira e cinco anos no cargo em que ocorreu a aposentadoria (inciso II do art. 3º da EC 47/2005).
23.                   Ante o exposto este membro do Ministério Público de Contas manifesta anuência à proposta de legalidade alvitrada pela unidade técnica para os atos em exame.
É o relatório.
  VOTO
 Trago este processo à deliberação do Plenário com fulcro no art. 17, § 1º, do Regimento Interno.
2.                     Trata-se das aposentadorias do sr. Mário Mannrich e da sra. Sônia Bezerra Tavares, ex-servidores do Ministério das Relações Exteriores (MRE).
3.                     Após as manifestações da Secretaria de Fiscalização de Pessoal (Sefip) e do Ministério Público favoráveis ao registro de ambas as concessões, restituí os autos à unidade técnica para que franqueasse ao sr. Mário Mannrich, previamente ao exame de mérito do processo, a oportunidade de apresentar os elementos que entendesse pertinentes à defesa de seus interesses. A motivação para essa medida preliminar encontra-se no despacho à peça 22, de seguinte teor:
3. (...) o sr. Mario Mannrich, ora inativado no cargo de Oficial de Chancelaria (no qual ingressou em 14/4/1994), possuía aposentadoria anterior, obtida em 7/4/1994 junto ao próprio MRE, no cargo de Assistente de Chancelaria.
4. Segundo informam os autos, a primeira aposentação produziu efeitos financeiros até 6/6/2012 – data imediatamente anterior ao início da vigência da segunda –, quando foi cancelada. Com isso, o tempo de serviço considerado na primeira concessão foi também considerado na segunda.5. Nesse ponto, trago à colação tese recentemente fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário 661.256, em regime de repercussão geral:‘No âmbito do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91’ (grifei).6. Como, nos termos do § 12 do art. 40 da Constituição, ‘o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social’, tem-se que, em princípio, na esteira da deliberação da Corte Constitucional, também não haveria que se falar em ‘desaposentação’ no âmbito do regime de previdência do funcionalismo, uma vez que, a exemplo do que ocorre no RGPS, também no regime próprio dos servidores (RPPS) inexiste previsão legal do direito, ao menos na acepção tratada neste processo. Note-se, a propósito, como observou o Ministro Luis Roberto Barroso, relator do RE 661.256, que ‘a Lei 8.213/1991 – e seu art. 18, § 2º –, não cuida da desaposentação’, de modo que o conteúdo do dispositivo (sem similar no RPPS, como salientam os pareceres técnicos) é, em si mesmo, irrelevante para a aplicabilidade da primeira parte da tese fixada pelo Supremo.
7. Outrossim, não se pode perder de vista o caráter contributivo do sistema e o imperativo constitucional de preservação de seu equilíbrio financeiro e atuarial, aspectos que exigem redobrado cuidado para que não se elasteça, inadvertidamente, o alcance de eventuais excepcionalidades admitidas no ordenamento. É o caso, por exemplo, do instituto da reversão, citado pela Sefip, que, conquanto semanticamente possa ser qualificado como ‘desaposentação’, distingue-se sobremaneira da hipótese destes autos (e daquela tratada pelo STF, até porque o instituto também se faz presente no RGPS, cf. arts. 46 e 47 da Lei 8.213/1991), uma vez que implica a automática cessação do benefício previdenciário no momento do retorno do segurado à atividade.8. Aliás, para a concessão de aposentadoria voluntária integral a servidor público, quer ao tempo da primeira aposentadoria do sr. Mario Mannrich (1994), quer agora, a legislação exige um tempo mínimo de contribuição de 35 anos. Em outras palavras, é exigido um período de capitalização do sistema equivalente a 35 anos, exigência que não parece ter sido derrogada pelo art. 11 da Emenda Constitucional 20/1998, também uma norma de exceção, esta referida pelo Parquet.
9. Ora, no caso, o interessado não cumpriu tal requisito, uma vez que, aposentado com proventos proporcionais a 30/35 em 1994, percebeu o benefício previdenciário ininterruptamente até 2012, quando requereu a nova concessão. Assim, ao combinar os períodos de contribuição, como se pretende, haveria, efetivamente, 30 anos de capitalização do sistema, referentes à primeira aposentadoria, e nenhum período adicional subsequente, uma vez que, entre 1994 e 2012, a par de contribuir com 11% da remuneração do cargo de Oficial de Chancelaria, o servidor percebia do mesmo sistema previdenciário quantia bastante superior, equivalente a 30/35 da remuneração do cargo de Assistente de Chancelaria.10. Nesse ponto, permito-me transcrever, por absolutamente pertinente e consentânea com a espécie, lição doutrinária aduzida pelo Ministro Dias Toffoli no voto condutor da deliberação prolatada pelo STF no já referido RE 661.256 (os destaques não constam do original):‘Assim, aquele que escolhe não se aposentar proporcionalmente não está sendo displicente (e, portanto, não se aplica o adágio segundo o qual o direito não socorre os que dormem), mas ao contrário, previdente. A permitir a desaposentação, premiam-se aqueles que não planejaram o futuro, que não esperaram em atividade, sabendo que o estatuto jurídico previdenciário lhes conferiria, caso o fizessem, benefício de valor maior; premiam-se aqueles que adquiriram um direito durante o período em que já fruíam da proteção previdenciária, isto é, que manipularam o risco social, e punem-se os previdentes, os que planejaram o futuro, os que deixaram de fruir o benefício com o intuito de recebê-lo em valor superior, os que confiaram na norma e nas expectativas de comportamento’ (SILVA, Elisa Maria Corrêa. Inconstitucionalidade da Desaposentação. Belo Horizonte: Fórum, 2014. p. 100 e 101).11. Assim, em juízo de delibação, entendo que a renúncia do sr. Mario Mannrich à aposentadoria no cargo de Assistente de Chancelaria apenas lhe permitiria aposentar-se no cargo de Oficial de Chancelaria com proventos proporcionais (decorrente do tempo de contribuição posterior ao seu reingresso no serviço público), ou seja, sem possibilidade de utilização, para majoração do benefício, de outros tempos de serviço já considerados para obtenção e fruição da aposentadoria anterior.12. Posto isso, dado que a aposentadoria do interessado, tal qual se apresenta, pode ter seu registro negado por esta Corte, e tendo em vista que o respectivo ato foi disponibilizado para exame do Tribunal há mais de cinco anos, restituo os autos à unidade técnica para que, previamente, em homenagem aos princípios do contraditório e da ampla defesa, proceda à oitiva do sr. Mario Mannrich a respeito, remetendo-lhe, como subsídio, cópia deste despacho.
4.                     Devidamente notificado, o ex-servidor argumenta, em essência, que a tese fixada pelo STF no RE 661.256 aplica-se unicamente ao Regime Geral de Previdência (peça 37). Acrescenta que, de qualquer modo, a decisão da Suprema Corte “tem caráter ex nunc, com aplicação daquele momento em diante”.
5.                     Na instrução do feito, a Sefip reitera seu posicionamento original, favorável ao registro do título concessório, no que, mais uma vez, é acompanhada pelo Parquet.
6.                     Sem embargo, lembro que a matéria de fundo tratada neste processo – o direito dos servidores públicos regidos pela Lei 8.112/1990 à desaposentação – foi objeto de recente deliberação desta Corte de Contas, quando respondeu a consulta formulada pela presidência do Tribunal Superior Eleitoral. Na ocasião, por meio do Acórdão 2.126/2018-Plenário, foi esclarecido à consulente que:
9.2.1. até o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na sessão de 26/10/2016, no julgamento dos Recursos Extraordinários 381.367, 827.833 e 661.256, a jurisprudência desta Corte de Contas se firmou no sentido de que a averbação de tempo de serviço em outro órgão do serviço público federal, em decorrência de renúncia à aposentadoria, era possível, não podendo, entretanto, produzir direitos de caráter personalíssimo, remuneratório ou não (como quintos, adicional por tempo de serviço, licença prêmio por assiduidade etc.), fundados em normas já revogadas à época do novo pedido de aposentadoria;
9.2.2. em face do referido julgamento do STF, em razão de não haver, por ora, previsão legal do direito à desaposentação para os servidores públicos, não é possível a renúncia à aposentadoria vinculada a regime próprio de previdência com objetivo de contagem de tempo de contribuição já utilizado, em outro benefício, seja vinculado a regime próprio, seja vinculado ao regime geral;9.2.3. esclarecer quanto à possibilidade de ocorrer a renúncia formal à aposentadoria estatutária nos casos em que o servidor não tiver recebido proventos com vencimentos, ou seja, quando não houver usufruído efetivamente a condição de aposentado, enquanto ocupante do novo cargo público (recebimento de proventos sem a contraprestação laboral)” (grifei).
7.                     Como anotou, na oportunidade, o eminente relator:
o principal fundamento para aplicar também ao RPPS o entendimento firmado pelo STF, no sentido de não permitir a desaposentação no RGPS, é o princípio da isonomia, associado ao caráter estatutário do Regime Próprio de Previdência Social. Não se trata, portanto, de analogia in malam partem, mas sim de conferir o mesmo tratamento, na medida do possível, aos integrantes do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) e o Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Rememoro que as decisões do STF que trataram do tema ‘desaposentação no Regime Geral de Previdência Social’, nos Recursos Extraordinários 381.367, 827.833 e 661.256, firmaram entendimento no sentido de não ser possível ‘desaposentar’ naquele regime em razão de ausência de previsão legal para tanto. (...) Nesse sentido, vale transcrever a lição da Ministra Cármem Lúcia:
‘(...) tanto o regime geral para os trabalhadores não públicos quanto o regime especial dos trabalhadores públicos informam-se pelos mesmos princípios constitucionais. Nem se poderia dar de modo diverso, considerando-se que o trabalho não pode ser fonte de discriminação ou de desigualação ilegítima das pessoas. Assim, a seguridade social compreende os elementos que devem ser assegurados a todos, e a previdência social, basicamente aperfeiçoada pela garantia da aposentadoria, haverá de ser igualmente guardada e observada por todos. (...)Tanto os objetivos da seguridade social quanto os princípios que a informam valem para o sistema, e não para alguns de seus beneficiários, pelo que não se pode negar aplicação ou desconhecimento de qualquer deles para a concepção infraconstitucional de regime jurídico, seja quem for o sujeito dos direitos e deveres nele prescritos. (...)Definiu-se a existência de dois regimes previdenciários vigentes no País, ambos podendo ter incidência sobre os servidores públicos, a depender da condição funcional de cada qual: de um lado, o regime geral de previdência social, a que se sujeitam todos os trabalhadores (‘filiação obrigatória’, nos termos do art. 201, com a norma da Emenda Constitucional 20/98) e, ainda, os servidores ocupantes de cargos de provimento inefetivo ou em condição de não-efetividade (caso de cargos declarados em lei de livre nomeação e exoneração – art. 40, § 13 - e, ainda, os contratados temporários, etc.), e o regime especial dos servidores públicos, agora destinado exclusivamente aos ‘servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. Esse regime especial de previdência social dos servidores públicos ‘observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social’ (art. 40, § 12). Assim, não apenas não se aparta totalmente o regime especial dos servidores do regime geral como a ele se aplicam, eventualmente, os requisitos e os critérios nele acolhidos’ (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais dos servidores públicos. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 418, 433, 427) .............................................................................................................................................No que diz respeito ao argumento no sentido de que a inexistência de proibição no RPPS seria motivo suficiente para entender possível a desaposentação no âmbito do serviço público, vale transcrever a lição dada pelo saudoso Ministro Teori Albino Zavaski na discussão do RE 381.367, quando tratou da natureza estatutária do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), natureza essa também presente no Regime Próprio:‘(...) a jurisprudência do STF assenta que, ao contrário do que ocorre com os direitos subjetivos oriundos de situações individuais – que nascem e se aperfeiçoam imediatamente, segundo as cláusulas legitimamente estabelecidas pela manifestação de vontade (contrato), tornando-se ato jurídico perfeito, insuscetível de modificação que não a decorrente também de outro ato de vontade, devendo como tal ser respeitado por lei superveniente (CF, art. 5º, XXXVI) –, nas situações jurídicas estatutárias os direitos subjetivos somente nascem (tornam-se direitos adquiridos) quando inteiramente aperfeiçoados os requisitos próprios previstos na lei (o ato-condição). (...)Portanto, no âmbito do Regime Geral da Previdência Social, que é estatutário, os direitos subjetivos estão integralmente disciplinados pelo ordenamento jurídico: são apenas e tão somente aqueles previstos no referido estatuto, segundo a configuração jurídica que lhes for atribuída no momento em que implementados os requisitos necessários à sua aquisição. Isso significa que a ausência de proibição à obtenção ou ao usufruto de certa vantagem não pode ser tida como afirmação do direito subjetivo de exercê-la. Na verdade, dada a natureza institucional do regime, a simples ausência de previsão estatutária do direito equivale à inexistência de um dever de prestação por parte da Previdência Social’ (grifos acrescidos).Nesse contexto, rememoro que, conforme reconhece o eminente Ministro Marcos Bemquerer, não há previsão legal que possibilite a desaposentação no âmbito do RGPS e também no RPPS. Com isso, conforme assentei ao longo do voto e referenciei nas lições do Ministro Teori Zavaski, o fato de não haver proibição à obtenção ou ao usufruto de certa vantagem não significa a afirmação do direito subjetivo de exercê-la. Nesse caminho, considerando a natureza institucional do RPPS, a simples ausência estatutária do direito equivale a inexistência de um dever de prestação por parte da Previdência.
8.                     Portanto, à luz do entendimento firmado pelo STF em regime de repercussão geral, inexiste, atualmente, fundamento jurídico idôneo para sustentar o aproveitamento, em nova aposentadoria, de tempo de serviço já utilizado em aposentadoria anterior, ainda que objeto de renúncia.
9.                     Nada obstante, nos termos do item 9.2.1 do Acórdão 2.126/2018-Plenário, e em homenagem ao princípio da proteção da confiança dos administrados, a segunda aposentadoria do sr. Mário Mannrich, ora em exame, concedida pelo MRE no ano de 2012, pode ser registrada, em caráter excepcional. É que, à época, a hipótese era amplamente admitida no âmbito da administração pública.
10.                   Quanto à aposentadoria da sra. Sônia Bezerra Tavares, não tendo sido identificada nenhuma falha em sua concessão, inexiste óbice ao seu registro.
11.                   Diante do exposto, voto no sentido de que este Colegiado adote a deliberação que ora submeto a sua apreciação.
TCU, Sala das Sessões Ministro Luciano Brandão Alves de Souza, em 31 de outubro de 2018.

Sob tal contexto, não se pode perder de vista, de toda sorte, que a decisão do Tribunal de Contas da União, acima transcrita, trouxe um alento para os que foram aposentados sob a égide da interpretação anterior, o que deve ser tomado por um avanço. Para esses, somente para esses, a desaposentação foi permitida. 

Ponto final!







[1] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 4 ed. São Paulo, Saraiva, 2013, pp.437-438.


[1] O entendimento pela constitucionalidade do § 2º do art. 18 da Lei 8.213/1991 (“§ 2º O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social–RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado”) foi acolhido para assentar o impedimento legal do acolhimento da desaposentação.
[2] Fonte: Informativo STF nº 845, de 24 a 28 de outubro de 2016. Até o fechamento deste artigo não haviam sido disponibilizados os Acórdãos nos RE 381.397/RS e RE 661.257/SC.
[3]No dizer de Ivanete Boschetti, a “lógica do seguro” se assenta na contribuição do segurado. Nesse modelo, o acesso à previdência é condicionado a “uma contribuição direta e anterior e o montante das prestações é proporcional à contribuição efetuada”. Esse modelo de seguro social tem origem na Alemanha de Bismark. O seu oposto, é a “lógica da assistência”, implementada na Inglaterra do Pós-Segunda Guerra Mundial, e consiste na garantia de direitos universais, “destinados a todos os cidadãos incondicionalmente ou submetidos a condições de recursos (testes de meios), mas garantindo mínimos sociais a todos em condições de necessidade. O financiamento é proveniente majoritariamente, e as vezes exclusivamente, dos impostos fiscais e a gestão é pública.” Atualmente, não existe modelo puro. Hoje os sistemas de seguridade social em diversos países combinam as características desses modelos, podendo dar ênfase maior para um ou outro. BOSCHETTI, Ivanete. A Reforma da Previdência e a Seguridade Social Brasileira. In: Lauro Morhy (Org.).  Reforma da Previdência em questão. Brasília: Universidade de Brasília, Laboratório de Estudos do Futuro/ Gabinete do Reitor: Editora Universidade de Brasília, 2003, p.28/29.
[4] Art. 167, XI, da CF, incluído pela EC nº 20/98.
[5] Os registros das contribuições são realizados individualmente em cadastro próprio (CNIS – Cadastro Nacional de Informação Social) disponibilizado para consulta por meio do NIT (PIS/PASEP). Por intermédio do CNIS pode-se obter informações dos vínculos de emprego, dos períodos, do tempo de contribuição e do valor das contribuições vertidas no período trabalhado, assim como da remuneração que serviu de base. São essas informações individuais que conferem ensejo ao mapa do tempo de contribuição, enquanto requisito indispensável à concessão do benefício.
[6] Com a promulgação da Lei nº 13.183, de 4 de novembro de 2015, o fator previdenciário passou a ser facultativo, por liberalidade do segurado (Art. 29-C, da Lei nº 8.213/91 – inclusão).
[7]Veja que o benefício é concedido ao segurado até a sua morte. Nesses termos, se o segurado aposentado renuncia ao benefício passa a ter o direito, a partir de então, à liberação do tempo de contribuição que serviu de base para sua concessão. Não tem sentido, sob a lógica do seguro social acolhida pelo Texto Maior para custear a Previdência, vedar o usufruto desse direito, pois para o fim previdenciário a contribuição atua como pressuposto da concessão do benefício.
[8] Hugo de Brito Machado, em artigo doutrinário divulgado no endereço http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?Id=5202 intitulado Contribuição dos inativos, registra o seguinte conceito de contribuição: “Diferentemente dos impostos, as contribuições têm uma finalidade específica e constitucionalmente determinada. Mas isso não basta para caracterizá-las: a finalidade deve ainda ser buscada mediante uma atuação estatal, atuação causada por um grupo de pessoas do qual o contribuinte faça parte. É exigida, portanto, uma referibilidade indireta entre o contribuinte e a atuação estatal que justifica a cobrança da contribuição. Como decorrência disso, embora nem sempre sejam determinados na Constituição, os fatos imponíveis das contribuições também devem estar relacionados com a finalidade a ser alcançada com a exação e com a participação do contribuinte no grupo correspondente”.
[9] O Art. 25, II, da Lei nº 8.112/90 faz previsão da reversão no interesse da Administração, figura jurídica que esta articulista considera inconstitucional, por violar o princípio do concurso público. Entrementes, cabe dizer que a reversão no interesse da Administração não se confunde com a desaposentação. A reversão é forma de provimento derivado de cargo público mediante o qual o servidor retorna para exercer do mesmo cargo antes ocupado ou o decorrente de sua transformação. A desaposentação, por seu turno, consiste na renúncia ao benefício da aposentadoria para possibilitar o retorno à atividade do segurado aprovado em concurso público para provimento em cargo público não acumulável, a viabilizar a concessão de nova aposentadoria no cargo mais vantajoso.
[10] A certidão deve compreender todo o período contributivo desde a filiação até a data da aposentadoria junto ao RGPS.

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