Em 31 de março de 2019 teve fim o prazo estipulado para os servidores
públicos federais, bem como para os membros do Poder Judiciário, Ministério
Público da União e Tribunal de Contas da União migrarem para
o intitulado Regime de Previdência Complementar, na forma do disposto no
§ 8º do Art. 3º da Lei nº 12.618, de 30 de abril de 2012 (O exercício da opção
a que se refere o inciso II do caput é irrevogável
e irretratável, não sendo devida pela União e suas autarquias e
fundações públicas qualquer contrapartida referente ao valor dos descontos já
efetuados sobre a base de contribuição acima do limite previsto no caput deste
artigo).
A faculdade de opção foi regada por muitas incertezas, mormente por
conta do cenário de insegurança jurídica vivenciada pela Previdência Social do
setor público (RPPS). Incertezas há muitos experimentadas pelos beneficiários
do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) ao longo da trajetória do sistema.
Basta ver as infinidades de alterações sofridas pela Lei nº 8.213, de 1991, para
se ter a dimensão desse panorama.
Pois bem, é triste dizer, mas as incertezas são findam com a opção
prescrita na legislação do Regime de Previdência Complementar (RPC).
A afirmação está assentada, em primeiro lugar, em uma constatação
simples: desde a primeira Reforma da Previdência Social em 1998, o objetivo do
Governo Federal era implementar um regime de financiamento parcialmente
capitalizado, a ocorrer mediante a instituição de uma previdência universal básica[1] e de um regime de previdência
complementar, de modo que não é difícil concluir que todos os meios e
mecanismos seriam utilizados para o esvaziamento dos regimes próprios, dentre
os quais o consubstanciado no incentivo à migração[2].
A par dessa constatação, emerge uma premissa lógica: não seria crível
conferir incentivo maior do que o ônus com a mantença desse servidor no regime
que se pretende retirá-lo porque, assim, como diz o brocardo popular: o governo
estaria comprando “gato por lebre”. Contudo,
pela efetiva adesão à migração, percebe-se que algumas variáveis não foram bem
dimensionadas pelo governo, a primeira delas está centrada na própria
interpretação das regras de regência da matéria.
Senão vejamos.
Muitas variáveis são levantadas para se auferir as vantagens
dos destinatários do Art. 1º, da Lei nº 12.618, de 2012. Mas uma delas se
sobressai e foi, efetivamente, a que impulsionou muitos a aderir ao novel
sistema, qual seja: o valor do benefício especial e a sua forma de
reajustamento, previstos nos §§ 1º a 8º do Art. 3º e Art. 22 da citada Lei.
Vale conferir o que dita o texto das regras referidas, in verbis:
Art.
3º Aplica-se o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime
geral de previdência social às aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo
regime de previdência da União de que trata o art. 40 da Constituição Federal, observado o disposto na Lei no 10.887, de 18 de
junho de 2004,
aos servidores e membros referidos no caput do art. 1o desta Lei
que tiverem ingressado no serviço público:
I - a partir do início da vigência do regime de previdência
complementar de que trata o art. 1o desta Lei, independentemente de sua
adesão ao plano de benefícios; e
II - até a data anterior ao início da vigência do regime de
previdência complementar de que trata o art. 1º desta Lei, e nele tenham
permanecido sem perda do vínculo efetivo, e que exerçam a opção prevista no § 16 do art. 40 da Constituição
Federal.
§ 1º É assegurado aos
servidores e membros referidos no inciso II do caput deste artigo o
direito a um benefício especial calculado com base nas contribuições
recolhidas ao regime de previdência da União, dos Estados, do Distrito Federal
ou dos Municípios de que trata o art.
40 da Constituição Federal, observada a
sistemática estabelecida nos §§ 2º a 3º deste artigo e o direito
à compensação financeira de que trata o §
9º do art. 201 da Constituição Federal, nos termos da lei.
§ 2º O benefício
especial será equivalente à diferença entre a média aritmética simples das
maiores remunerações anteriores à data de mudança do regime, utilizadas como
base para as contribuições do servidor ao regime de previdência da União, dos
Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, atualizadas pelo Índice
Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pela Fundação
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou outro índice que
venha a substituí-lo, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o
período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a do início da
contribuição, se posterior àquela competência, e o limite máximo a que se
refere o caput deste artigo, na forma regulamentada pelo Poder
Executivo, multiplicada pelo fator de conversão.
§ 3º O fator de conversão de que trata o § 2º deste
artigo, cujo resultado é limitado ao máximo de 1 (um), será calculado mediante
a aplicação da seguinte fórmula:
FC
= Tc/Tt
Onde:
FC
= fator de conversão;
Tc
= quantidade de contribuições mensais
efetuadas para o regime de previdência da União de que trata o art. 40 da Constituição Federal, efetivamente pagas pelo servidor
titular de cargo efetivo da União ou por membro do Poder Judiciário, do
Tribunal de Contas e do Ministério Público da União até a data da opção;
Tt
= 455, quando servidor titular de cargo efetivo da União ou membro do Poder
Judiciário, do Tribunal de Contas e do Ministério Público da União, se homem,
nos termos da alínea “a” do inciso III do art. 40 da Constituição Federal;
Tt
= 390, quando servidor titular de cargo efetivo da União ou membro do Poder
Judiciário, do Tribunal de Contas e do Ministério Público da União, se mulher,
ou professor de educação infantil e do ensino fundamental, nos termos do § 5º do art. 40 da Constituição Federal, se homem;
Tt
= 325, quando servidor titular de cargo efetivo da União de professor de
educação infantil e do ensino fundamental, nos termos do § 5º do art. 40 da Constituição
Federal,
se mulher.
§ 4º O fator
de conversão será ajustado
pelo órgão competente para a concessão do benefício quando, nos termos das
respectivas leis complementares, o tempo de contribuição exigido para
concessão da aposentadoria de servidor com deficiência, ou que exerça atividade
de risco, ou cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que
prejudiquem a saúde ou a integridade física, for inferior ao Tt de que trata o
§ 3º.
§ 5º O benefício
especial será pago pelo órgão competente da União, por ocasião da concessão de
aposentadoria, inclusive por invalidez, ou pensão por morte pelo regime próprio
de previdência da União, de que trata o art. 40 da Constituição Federal,
enquanto perdurar o benefício pago por esse regime, inclusive junto com a gratificação
natalina.
§
6º O benefício especial calculado será atualizado pelo mesmo índice
aplicável ao benefício de aposentadoria ou pensão mantido pelo regime geral de
previdência social.
§ 7º O prazo para a opção de que trata o inciso II
do caput deste artigo será de 24 (vinte e quatro) meses, contados a
partir do início da vigência do regime de previdência complementar instituído
no caput do art. 1o desta Lei. (Vide Lei nº 13.328, de 2016)
§ 8º O exercício da opção a que se refere o inciso II
do caput é irrevogável e irretratável, não sendo devida pela União e
suas autarquias e fundações públicas qualquer contrapartida referente ao valor
dos descontos já efetuados sobre a base de contribuição acima do limite
previsto no caput deste artigo.
[...]
Art. 22. Aplica-se o benefício especial
de que tratam os §§ 1o a 8o do art. 3º ao servidor
público titular de cargo efetivo da
União, inclusive ao membro do Poder Judiciário, do Ministério Público e
do Tribunal de Contas da União, oriundo,
sem quebra de continuidade, de cargo público estatutário de outro ente da
federação que não tenha instituído o respectivo regime de previdência
complementar e que ingresse em cargo público efetivo federal a partir da
instituição do regime de previdência complementar de que trata esta Lei,
considerando-se, para esse fim, o tempo de contribuição estadual, distrital ou
municipal, assegurada a compensação financeira de que trata o §
9odo art. 201 da Constituição Federal.
A interpretação desses dispositivos legais já foi oficialmente divulgada pela Resolução Conjunta STF/MPU nº 3, de 20 de junho de 2018, por meio da qual se considerou, para efeito da
fórmula de conversão, o seguinte parâmetro: “Tc = a quantidade de contribuições mensais efetuadas para os regimes de
previdência de que trata o caput do
art. 40 da Constituição Federal e o
art. 22 da Lei nº 12.818, de 2012, efetivamente pagas pelo servidor ou
membro até a data da opção”. Ou seja, se fez incluir na fórmula as contribuições mensais efetuadas para regimes de previdência de outras esferas de governo.
E essa interpretação fez toda a diferença.
E essa interpretação fez toda a diferença.
Sim
, porque a Resolução Conjunta STF/MPU nº 3, de 2018, sem dúvida, emprestou uma
conotação mais benéfica às regras acima reproduzidas, uma vez que ao
se tomar a letra fria da lei, o fator de conversão, previsto no § 3º
do Art. 3º da Lei nº 12.618, de 2012, está alinhado ao ingresso do
destinatário no Regime de Previdência Complementar da União, haja vista
que se trata de uma lei destinada aos agentes públicos vinculados ao RPPS da União,
de sorte que a diretriz legal foi realmente no sentido de considerar, como expressamente
previsto na referida regra, a quantidade de contribuições mensais
efetuadas para o regime de previdência da União de que trata o art.
40 da Constituição Federal.
Em
outras palavras, o § 2º do Art. 3º da Lei nº 12.618/2012, que cuida da base de cálculo do benefício especial, possibilita a
utilização de todo o período contributivo do servidor, de modo que ingressa
para cálculo desse benefício o total de contribuições vertidas para os
regimes de previdência a que se vinculou o destinatário da norma até o momento
da migração, a dar azo ao disposto no
próprio Art. 22, da referida Lei. E o fator de conversão, por sua
vez, teria a função de limitar o cálculo do benefício
sob a ótica do ingresso no setor público da União.
Fácil é perceber que o fator de conversão foi instituído como um limitador
do benefício especial para os destinatários da norma, o que se mostra condizente com o sistema complementar instituído. E essa forma de limitação violaria o princípio da isonomia? _Entende-se que não, porque os regimes
próprio e complementar são instituídos por lei pelos entes federados a partir
de suas perspectivas securitárias. Um servidor exercente de cargo público egresso
de um ente federado antes da instituição do Regime Complementar em âmbito
federal (na hipótese de o ente federado não ter instituído o RPC), pode optar em permanecer com as benesses do RPPS ou migrar para o RPC,
caso em que teria que arcar com o ônus do fator de conversão na apuração do seu
benefício especial em face do tempo em que contribuiu para o RPPS da União,
pois cada ente pode instituir o seu regime complementar. Essa parece ter sido a
lógica eleita pela Lei, mas não foi a interpretação conferida pelo ato
normativo citado (Resolução STF/MPU nº 3/2018), expedido pelo
próprio Supremo Tribunal Federal em ação conjunta com o Ministério Público da
União, de forma que existe, portanto, na atualidade, em face de eventual controvérsia
judicial, o aval normativo da Corte Constitucional pátria a
dirimir a questão.
À
guisa dessa ilação, muitos agentes públicos vinculados ao RPPS – e nesse caso,
cada caso é um caso – acabaram por aferir mais vantagem na migração, que nada
mais é do que uma forma de autorizar que o regime ao qual continuarão
vinculados (RPPS) seja mitigado por normas do RGPS, a limitar o valor
do seu benefício básico ao patamar do limite máximo de benefício do RGPS.
Outra
variável que contribuiu para essa migração, foi a forma de reajustamento do
benefício especial, a congregar os mesmos índices do Regime Geral de
Previdência Social (RGPS). E é nesse ponto que se observa a variável
mais
sensível do sistema. Sim, porque a forma de atualização do
benefício especial prevista no § 6º do Art. 3º da Lei nº 12.618/2012, qual seja,
a atualização
pelo mesmo índice aplicável ao benefício de aposentadoria ou pensão
mantido pelo regime geral de previdência social, não significa a existência de
direito perene à fórmula de reajustamento prevista ao tempo da opção. Pode ser modificado? Pode, tanto
quanto se modificou a forma de atualização de benefícios para o RPPS e do próprio
RGPS ao longo de sua existência. Aliás, a questão do reajuste de benefícios
previdenciários sempre foi um fator sensível por estar umbilicalmente vinculado
à política fiscal.
Assim,
deve-se ter em mente que ainda que o benefício especial seja um direito
que foi garantido aos destinatários da Lei nº 12.618/2012 no momento da opção, não
significa que esteja, a exemplo de outros benefícios previdenciários, imune
a quaisquer alterações. Não está. A norma de atualização é aberta e os vincula aos mesmos índices do RGPS, passíveis, portanto, de mudanças decorrentes das políticas
fiscais.
De
mais a mais, a legislação não refere o momento em que tem início o
reajustamento do benefício especial. Não obstante, a interpretação oficial conferida aos §§ 5º e 6º do Art. 3º da Lei nº 12.618/2012, foi no sentido de
que, tão logo calculado por ocasião da opção pelo destinatário da regra, passe-se
a aplicar o respectivo reajuste. Então, é como se o benefício especial
ficasse em standby, mas engordando até a concessão da aposentadoria,
quando então será pago, já com o devido reajustamento, mantendo-se este após a inativação.
Aliás, muito se fala que os parâmetros de migração são mais difíceis de serem
modificados do que os previstos no RPPS. Não existe isso. As
garantias postas para a preservação do valor do benefício previdenciário, como se disse alhures, sempre
foi tema sensível e, tanto no RPPS, quanto no RGPS, existem normas constitucionais
equivalentes (Art. 40§ 8º e Art. 201, § 9º da CRFB) para
salvaguardar o valor real do benefício. Ademais, no RPPS de transição (PEC 6/2019), o
direito à paridade subsiste às duras penas, mas não deixa de ser um direito assentado na força de todos os servidores da atividade.
E não se diga que esse sistema perdeu força porque está em extinção.
Em
todo caso, o efeito imediato da migração, em verdade, é fixar o valor da
aposentadoria ao limite máximo do benefício do RGPS, fato que proporcionará a
esse servidor maior liquidez na percepção dos respectivos vencimentos ou subsídios
por conta da limitação da incidência da alíquota de contribuição sobre esse
patamar.
Por fim, cabe lembrar que, em sede previdenciária vige entendimento no sentido de que o
direito adquirido se implementa com a satisfação das condições para a concessão
do benefício. Mas sabe-se que, muitas vezes, até mesmo com a total
implementação dessas condições, assentadas no tempo de contribuição, a
aposentadoria ainda está sujeita a outras intempéries, como a problemática do reajustamento e até mesmo da cassação[3]. E isso ocorre porque, em
que pese a paulatina transmudação do sistema previdenciário do setor público
para uma versão privada, o ranço da verticalidade do vínculo funcional ainda é
forte para desnaturar a vertente mais benéfica do direito adquirido, vertente
esta que não imuniza quem migrou para o Regime de Previdência
Complementar (RPC) porque, ao final, esse servidor não sai do RPPS, apenas se
incorpora na sua nova feição, identificada pela equivalência com os parâmetros
do RGPS.
[1] A instituição de uma Previdência
universal básica tem por escopo da unificação dos regimes de previdência (RPPS
e RGPS), a ocorrer com a paulatina extinção do RPPS e modelação do RGPS.
[2] v. Alvares, Maria Lúcia
Miranda. Regime Próprio de Previdência Social, São Paulo: Editora
NDJ, 2007.
[3] É cediço que servidores
aposentados por tempo de contribuição no RPPS estão sujeitos à cassação da
aposentadoria, fato que não exime o servidor optante do RPC do mesmo destino,
pois a migração não lhe retira a condição de servidor vinculado ao RPPS.
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