Fechamos junho de 2021 e os principais fatos conhecidos a
respeito da pandemia causada pelo vírus covid-19 seguem se avolumando.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a doença já matou mais de três milhões e setecentas mil pessoas no mundo [1], habitado por quase oito bilhões de almas [2].
Consoante os indicativos fornecidos pelos meios de comunicação, os primeiros casos de infecção foram na China, na cidade de Wuhan. Alguém teria comido um animal impróprio para consumo e desencadeado a mutação de um coronavírus mortal para o corpo humano. Mas foi ventilada a hipótese de que o vírus teria vazado de um laboratório.
A partir de então a Covid-19 se espalhou até atingir escala global, já em março de 2020.
O que se tinha notícia até então era que a contaminação se daria de uma pessoa, sintomática ou assintomática, para outra e poderia levar à morte; não havia remédio para tratamento dos infectados; o vírus era transmitido pelas vias aéreas e poderia permanecer vivo durante dias em diversas superfícies. As únicas recomendações eram manter distanciamento social e as mãos limpas com sabão ou álcool em gel, além do uso de máscara apropriada cobrindo nariz e boca.
No entanto, ao redor do mundo, diante da doença até então desconhecida, os países experimentaram diferentes estratégias para enfrentar a pandemia.
Em março de 2020, do norte da Itália veio o primeiro impacto. Após seus líderes se recusarem a recomendar o afastamento entre as pessoas, milhares delas, principalmente idosos, se foram com tanta rapidez que o prefeito de Milão reconheceu de pronto o erro [3]. A tragédia motivou a imediata adoção de medidas nacionais de distanciamento e fechamento de fábricas não essenciais, havendo o líder do parlamento italiano declarado que o país enfrentava a maior crise desde a segunda grande guerra [4].
A percepção passada para o restante da comunidade, entretanto, foi a de que a doença só vitimaria idosos, não havendo razão para preocupação com os mais jovens.
Inglaterra e Suécia foram países que não adotaram inicialmente as medidas de distanciamento. Surgia assim uma teoria de que as pessoas seriam imunizadas naturalmente, ao serem expostas ao vírus, e que apenas idosos deveriam permanecer isolados.
No entanto, já em abril de 2020, a Inglaterra mudou de rumo. Talvez tenha contribuído o fato de seu primeiro-ministro ter sido um dos primeiros a ser contaminado naquele país e ter sido obrigado a enfrentar a doença com as poucas armas até então disponíveis [5].
A Suécia se manteve fiel a assim chamada “imunidade de rebanho”. Seu premiê apenas recomendou às pessoas que evitassem aglomerações desnecessárias e seguissem voluntariamente as recomendações de higiene. Hoje, a população daquele país, que é de dez milhões, já conheceu mais de quatorze mil vítimas, tornando-se o exemplo europeu de fracasso na pandemia. O dado levou seu rei – em geral bem discreto – a publicamente criticar as ações do governo[6], que reconheceu a necessidade de alterar a política de enfrentamento, para lockdown, a partir de março de 2021 [7].
Por sua vez, os britânicos, passado um ano de pandemia, viram os números diários de óbitos caírem a quase zero após a adoção das medidas preventivas recomendadas pelos órgãos internacionais e a aplicação bem-sucedida das vacinas desenvolvidas pela Universidade de Oxford, em parceria com a farmacêutica AstraZeneca, além das americanas Pfizer e Moderna. O país começa assim a retomar o convívio público [8].
Bem distantes dali, Austrália e Nova Zelândia deram outro exemplo.
Já em março de 2020, a premiê Jacinta Ardern reuniu representantes de seus cinco milhões de compatriotas e pactuou o fechamento das fronteiras, adotando um lockdown rígido de cinquenta dias. Durante o período, hospitais funcionaram. Supermercados, farmácias e postos de gasolina podiam receber apenas um cliente por família. E demais estabelecimentos não essenciais permaneceram fechados. O governo forneceu auxílio financeiro para que trabalhadores ficassem em suas casas e investiu na testagem em massa da população. A rotina dos neozelandeses já foi completamente retomada, à exceção dos aeroportos, uma vez que o resto do mundo não seguiu o mesmo trilho. Hoje, três pares de mãos são suficientes para contar nos dedos as vinte e seis vítimas do vírus na ilha.
Pouco depois, a Austrália se inspirou no exemplo da vizinha, obtendo êxito similar. Os falantes de língua inglesa da Oceania conseguiram assim a proeza de vencer o vírus e retomar atividades econômicas antes mesmo da chegada da vacina.
A China também adotou o confinamento rigoroso, testagem e rastreamento constante de casos, conseguindo frear a velocidade do contágio e fazendo despencar o número de mortes no país desde março de 2020. Desde maio de 2020, a população começou a ser vacinada em massa com seus imunizantes desenvolvidos pelas farmacêuticas Sinovac e Sinopharm [9] [10].
Espelhados na China e Oceania, políticas de enfrentamento semelhantes foram adotadas na Coréia do Sul, Vietnã, Tailândia, Taiwan e Singapura, resultando no controle dos casos.
No Japão, afinado com o modelo sueco, o governo apelou para a adoção voluntária das medidas de higiene e distanciamento pela população, já há muito tempo habituada com o uso de máscaras em público, em casos de doenças respiratórias. A tônica foi a alternância entre momentos de restrições e abertura das atividades e, apesar das críticas, o país segue seu curso com relativo sucesso [11].
Os norte-americanos viveram momentos delicados no governo de seu líder republicado, cuja condução desastrosa foi pautada pelo negacionismo. A resistência em adotar as medidas efetivas para o combate ao vírus custou quase seiscentas mil vidas, levando o país ao status de epicentro global da pandemia, que só foi superado após as empresas Pfizer e Moderna desenvolverem suas vacinas naquele país, em dezembro de 2020. O momento coincidiu com a substituição do presidente republicano pelo democrata Joe Biden. Desde janeiro de 2021, sob nova direção, após a aplicação de mais de trezentas milhões de vacinas e com a imunização em duas doses de mais de quarenta por cento da população, o país viu o número de mortes diárias ser reduzido de quatro mil para quatrocentas, nos primeiros meses de 2021, e vive a euforia da retomada gradativa das atividades.
Até o Natal de 2020, pelo menos cinquenta e seis países já haviam começado a vacinar sua população, incluindo a Suécia [12].
O caso do Brasil é único.
O vírus aportou oficialmente em solo pátrio ao final de fevereiro de 2020.
Na época, sempre atuando em linha com o ex-líder estadunidense de pele laranja, o mandatário brasileiro discursou à nação afirmando que se tratava de simples “gripezinha”, que não havia motivo para pânico e que, com seu histórico de atleta, pouco ou nada sentiria caso fosse contaminado.
Não acolheu o lockdown ou qualquer medida de distanciamento. Ao contrário, ao longo de um ano e três meses de pandemia no País, estimulou e promoveu reiteradas aglomerações de apoiadores em eventos com viés de campanha eleitoral, à qual se dedica desde o início do mandato, em janeiro de 2019.
Em muitas dessas ocasiões, também se recusa a usar máscara. Em fevereiro de 2021, no dia mais letal da pandemia até então, criticou publicamente seu uso, apoiando-se em pretenso estudo de universidade alemã, sem citar qual seria a fonte, aparentemente distorcendo pesquisa preliminar realizada em escola infantil daquele país [13]. Em junho de 2021, propôs dispensar seu uso por vacinados e recuperados, contrariando o consenso científico e seu próprio Ministro da Saúde [14].
Através de pronunciamentos públicos e atos normativos, combateu constantemente as medidas de distanciamento e lockdown promovidas por governadores e prefeitos, após obterem autorização do Supremo Tribunal Federal, ou adotadas espontaneamente pelas pessoas. Defendeu a imunidade de rebanho e o prosseguimento das atividades industriais e comerciais. Buscou impedir o fechamento de igrejas e extensa lista de serviços que alegava serem essenciais à população, entre os quais salões de beleza, advogando a defesa da economia e das liberdades de culto e locomoção – em sentido contrário ao resto do mundo, focado na defesa da vida.
Outra medida apontada pela comunidade internacional como crucial no enfrentamento da pandemia é a testagem da população. Em tal quesito, o Brasil se posicionou em 78º lugar em um ranking de duzentos países pesquisados pela Universidade de Oxford [15].
Desde o início da pandemia, o gestor insiste incessantemente na propaganda da eficácia de um certo tratamento precoce, cuja aquisição, produção e distribuição em massa ordenou. O kit seria composto por três remédios, sendo um para matar protozoário, um para bactérias e um vermífugo. Todos para tratar de modo precoce a doença causada por vírus [16].
No início do surto, tais remédios foram testados
em alguns países.
Entretanto, já em julho de 2020, era consenso na
comunidade científica que a maioria das pessoas se recupera dos sintomas da
covid-19 com ou sem a administração dos referidos fármacos, enquanto o restante
dos contaminados evoluiria para quadros graves, ainda que os ingerisse.
Na época, declarou a microbiologista Natália Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência, que toda medicação traz consigo um efeito placebo que, na verdade, está ligado ao condicionamento humano. “No caso da cloroquina, ela se encaixa no efeito placebo da resolução espontânea da doença. A covid-19 tem um quadro em que 90% das pessoas vão se curar pela resposta delas próprias, e aí a pessoa pode atribuir a ela, ao chazinho, aos três pulinhos” [17].
Entretanto, já se sabia que mesmo pacientes assintomáticos, estimados à época em torno de quarenta por cento dos infectados, podiam transmitir o vírus [18] e apresentar sequelas duradouras e importantes, após superado o ciclo da doença [19].
Passados um ano e três meses de cansativos embates políticos e amplos testes científicos, observou-se que o antiprotozoário é, na verdade, por seus efeitos colaterais, potencial fator de agravamento do quadro dos pacientes acometidos pela doença causada pelo novo coronavírus, sobretudo quando administrado por conta própria [20], o que levou a OMS a fortemente desaconselhar seu uso na prevenção ou no tratamento da covid-19 [21].
O Ministro da Saúde brasileiro – o quarto, desde o início da pandemia – prestou depoimento, em 8 de junho de 2021, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada no Senado Federal para apurar omissões na condução do enfrentamento da pandemia. Na ocasião, ainda que em posição mais conservadora, reconheceu que “esses medicamentos não têm eficácia comprovada”, rendendo-se à obviedade de que a solução da pandemia somente viria pelas vacinas, como a história já testemunhou no caso das doenças virais anteriores. Em suas palavras, “essas discussões são laterais e não vão pôr fim ao caráter pandêmico da doença. O que vai pôr fim a isso é a ampliação da campanha de vacinação, que é o meu foco exclusivo” [22].
Pouco antes, o mais contundente impacto da aplicação da chamada imunidade de rebanho associada ao tal tratamento precoce era sentido na cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas.
Passadas as eleições municipais de outubro de 2020 e as festas de fim de ano, transcorridas em meio à adoção de tal estratégia, o mundo assistiu, no mês de janeiro de 2021, ao colapso do sistema de saúde manauara, com a explosão de casos da doença, sem recursos hospitalares suficientes para seu enfrentamento e o aumento descontrolado de óbitos, muitos por asfixia.
Para superar o drama, a população daquela cidade contou com cilindros de oxigênio fornecidos pela vizinha Venezuela, sem gesto de agradecimento do governo brasileiro [23], e por artistas de renome nacional [24], além do apoio de governos de outros estados da federação [25].
Em vez de improvável êxito na estratégia de imunização de rebanho já totalmente superada no resto do mundo, após o fracasso sueco, a experiência demonstrou, ao custo de expressivo quantitativo de vidas humanas, que indivíduos já recuperados da covid-19 podem se contaminar novamente. E vir a óbito. Além de culminar no surgimento da variante de Manaus, batizada no resto do mundo de variante brasileira do vírus [26]. A mutação surgida na Amazônia é hoje foco de preocupação mundial.
Como consequências da malfadada aventura: ao Brasil foi atribuído o triste status de novo epicentro da crise sanitária – após a correção de rumos operada em solo norte-americano; houve uma disparada de casos de óbitos entre jovens [27]; um estudo australiano promovido pelo Lowy Institute, de Sidney, apontou o País como o pior do mundo na condução do enfrentamento da pandemia [28] e o turista brasileiro se tornou o segundo mais rejeitado em todo mundo [29].
Na contramão de Manaus, ao final de fevereiro de 2021, a cidade de Araraquara, no Estado de São Paulo, ofereceu ao País um experimento de lockdown radical de dois meses, resultando em redução admirável dos casos de covid-19 [30].
Como já declarou o atual chefe do executivo federal, o brasileiro precisa ser estudado. Começando pelo próprio. Seu perfil inclui carreira militar encerrada prematuramente, após ter sido acusado de planejar explodir bomba em quartel; vinte e oito anos no chamado “baixo clero” do parlamento; o hábito de ofender e agredir jornalistas e opositores e nenhum registro de conhecimento médico.
Desde o início, notabilizou-se também por seguidas críticas e ironias de cunho ideológico à China – sabidamente maior parceiro comercial brasileiro, há anos. Por sucessivas vezes, o líder verde e amarelo lançou teorias sem comprovação envolvendo aquele país, como a de que o mundo estaria enfrentando uma espécie de guerra promovida pelos chineses com o uso do vírus. Ademais, rejeitou e colocou em dúvida a eficácia da vacina que estava sendo desenvolvida naquele país.
Em 17 de janeiro de 2021, a primeira vacina foi trazida e aplicada no maior país latino-americano. Mas por iniciativa direta e isolada do Governo do Estado de São Paulo, através da parceria firmada entre o Instituto Butantan – principal produtor de imunobiológicos do Brasil e órgão vinculado à Secretaria de Saúde daquele estado da federação – e a farmacêutica chinesa Sinovac [31]. No dia seguinte, o Instituto repassou ao governo federal o primeiro lote da CoronaVac [32]. E dois dias depois, foi iniciado o calendário nacional de vacinação, com a aplicação do referido imunizante por todo País. A mesma vacina chinesa que havia sido ironizada pelo executivo nacional.
Na sequência, outro experimento científico isolado era levado a efeito na cidade de Serrana, também no Estado de São Paulo, em que toda população adulta foi vacinada com a chinesa CoronaVac, durante os meses de fevereiro a abril de 2021, resultando em redução para quase zero nos óbitos pela covid-19. Na ocasião, o Instituto Butantan comprovou o que o mundo já sabia: a vacinação em massa da população beneficia até aqueles que não se submetem ao imunizante, devido à redução da circulação do vírus [33].
Somente em fevereiro de 2021, o governo federal patrocinaria a chegada de uma vacina ao País – a britânica Oxford/AstraZeneca – dando início à aplicação do imunizante [34].
Após o início de sua aplicação no País, foi reportado evento adverso da vacina britânica em gestantes. O fato motivou a emissão de comunicado da Anvisa recomendando a suspensão do seu uso em grávidas, mas, ainda assim, o prosseguimento da vacinação no restante da população, reconhecendo expressamente que “os benefícios superam os riscos” [35].
Trata-se de atuação do órgão do Ministério da Saúde responsável pela aprovação do uso de vacinas no País, em linha com os demais especialistas, quando confrontados com efeitos colaterais em vacinas. Segundo a infectologista Maria Isabel de Moraes Pinto, da empresa Diagnósticos da América S/A, todo e qualquer imunizante pode causar desconfortos. “Não existe vacina 100% segura, como não existe antibiótico 100% seguro. Qualquer cirurgia não é 100% segura. É difícil, às vezes, para a população, entender que a gente põe em uma balança os riscos e os benefícios. Então, sem dúvida alguma, os benefícios superam os riscos das vacinas” [36].
Perguntado sobre os efeitos adversos da vacina que a
farmacêutica Janssen desenvolveu para prevenção da covid-19, o pediatra e infectologista
Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), negou que os
efeitos colaterais sejam maiores que os benefícios da vacina e classificou os
incidentes como “extremamente raros”.
Segundo o médico, “Todo remédio que
tomamos traz uma série de efeitos colaterais e até o momento não há nenhuma
reação que seja expressivamente mais importante do que a doença que estamos
tentando prevenir” [37].
Em retorno à linha cronológica, tem-se que a vacina da farmacêutica americana Pfizer estava sendo oferecida do Brasil desde agosto de 2020, pela metade do preço ofertado à União Europeia [38]. Segundo depoimento prestado pelo ex-Secretário de Comunicação Social da Presidência à CPI da Covid-19, o presidente da empresa teria lhe confidenciado, em novembro de 2020, querer fazer do Brasil a vitrine da vacinação na América Latina [39].
De fato, o Brasil tem histórica capilaridade na rede de vacinação de seu sistema público de saúde e a maior população dentre os latino-americanos. No ano de 2009, liderou o ranking mundial de vacinação, quando chegou a vacinar oitenta milhões de pessoas em apenas três meses, contendo o surto de contaminação pelo vírus H1N1 [40].
No entanto, voltando para o ano de 2020, após seguidos atrasos e recusas nas tratativas, por parte da autoridade federal brasileira, o imunizante da Pfizer – aprovado para uso e aplicado nos Estados Unidos desde dezembro [41] - somente viria a ser introduzido no Brasil em abril de 2021 [42].
Importante ressaltar que, durante tais meses de atraso na chegada da vacina da Pfizer (dezembro de 2020 a abril de 2021), o Brasil vivia o período mais letal da pandemia até então, com seguidos recordes no número de mortos [43].
Em 10 de julho de 2021, o Brasil atingiu quinhentos e trinta e três mil vidas perdidas para a covid-19, sendo o segundo país com mais mortes no mundo e o primeiro, em números diários[44] [45], com apenas 13,7% da população devidamente imunizada com as duas doses [46][47].
Conforme declarou o epidemiologista Pedro Hallal, coordenador da pesquisa Epicovid-19, referência no mapeamento da doença no Brasil, três quartos dessas vidas poderiam ter sido salvas caso o País tivesse se limitado a adotar as mesmas medidas preventivas seguidas pela comunidade internacional e acompanhado a mesma média de óbitos observada no resto dos países [48].
É digno de nota também o fato de o número de casos no Brasil passar a ser conhecido pelo público graças a um consórcio formado entre veículos de imprensa e secretarias de saúde dos estados da federação, após o governo federal decidir restringir a divulgação oficial da contabilização dos casos [49].
No momento, o País recebeu a vacina americana Janssen e está na iminência de receber a russa Sputnik V, que foi autorizada pela ANVISA.[50][51] [52]. Deve aplicar, ainda, a indiana Covaxin, a chinesa CanSino e a Butanvac, esta última a primeira vacina brasileira, todas ainda sem data para início das aplicações [53].
Quanto à questão econômica, o governo resistiu em adotar um auxílio financeiro à população de baixa renda, a fim de que esta pudesse se manter durante o afastamento das atividades laborativas. Por iniciativa do Poder Legislativo, foi instituído um auxílio mensal no valor de seiscentos reais, que equivale aproximadamente à metade do salário-mínimo vigente no País, mas é três vezes superior à quantia que o executivo propunha pagar. O benefício foi distribuído de abril a agosto de 2020, pelo valor inicial, sendo reduzido para metade a partir de setembro e encerrado no fim do ano de 2020. Em torno de sessenta e oito milhões de pessoas receberam o auxílio, ao custo de trezentos bilhões de reais para os cofres públicos [54]. Em 2021, deu-se o retorno auxílio emergencial, recentemente prorrogado até outubro de 2021, em valor bem menor do que o inicial.
De qualquer sorte, importante informar que segundo dados do Bank of America, o País destinou onze por cento do PIB em estímulos fiscais e monetários para o enfrentamento da pandemia. Considerando as dez maiores economias do mundo, foi o que gastou o menor percentual do próprio PIB em tais ações. Proporcionalmente ao próprio PIB, mesmo entre os emergentes, não obteve posição de destaque, ficando atrás de países mais pobres, como o Peru e a República Dominicana [55].
Talvez a visão da atual gestão federal a respeito do dilema “defesa da economia versus defesa da vida” possa estar refletida de modo prosaico na declaração do chefe da pasta econômica, em abril de 2021, ao discursar acerca dos impactos dos avanços da medicina no sistema público de saúde. Segundo o Ministro, “todo mundo quer viver 100 anos, 120, 130. Não há capacidade de investimento para que o Estado consiga acompanhar” [56].
No sentido inverso, o país que ditou os rumos do capitalismo no mundo nos últimos anos planeja recuperar sua economia, gerando riqueza através de propostas de investimento público massivo de quatro trilhões de dólares, com foco em infraestrutura, saúde, empregos e educação. Nas palavras de Biden, “esta é a verdade: todos somos beneficiados quando todos estamos bem. É hora de construir nossa economia de baixo para cima... e não de cima para baixo” [57] [58].
Voltando ao tema central da pandemia, imperioso se faz trazer à baila as palavras da pneumologista Margareth Dalcomo, fundadora do ambulatório do Centro de Referência Professor Hélio Fraga, da Fundação Oswaldo Cruz, e com décadas de experiência em saúde pública: “As pessoas precisam entender que não há nenhuma outra solução para viroses agudas que não seja a vacina. Nenhuma outra. (...) as doenças agudas, tradicionalmente, não se tratam com remédios. Elas são tratadas preventivamente com vacinas. E aí vêm sarampo, difteria, febre amarela, todas as doenças que são agudas e, em especial, as viroses ditas respiratórias. A covid-19 é um exemplo clássico disso. (...) para as doenças virais agudas, sobretudo de transmissão respiratória, a solução — e a única solução possível — são as vacinas. Como sempre foram e serão. Eu diria que o ser humano viveu uma experiência absolutamente extraordinária de, em menos de um ano, produzir quatro vacinas já aprovadas regulatoriamente no mundo. São quase 200 grupos estudando vacina dia e noite, praticamente há 10 meses, desde março do ano passado. Há 16 vacinas em fases clínicas de desenvolvimento. E uma perspectiva de que nós tenhamos um controle, se houver acesso universal e equânime, sob os melhores preceitos humanitários. Então não há dúvidas: a vacina é a única e perfeita solução de controle de uma epidemia do porte da covid-19”.
A entrevista da médica foi publicada no site da Fiocruz em janeiro de 2021, sob o título “vacina é a única solução” [59].
Neste cenário, é visível o que uma condução desastrosa da máquina administrativa pode provocar. O que o Brasil está a experimentar é algo inédito na sua trajetória político-administrativa.
A marcha da história segue e o futuro julgará os incautos.
[3] https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/03/27/prefeito-de-milao-admite-erro-por-ter-apoiado-campanha-para-cidade-nao-parar-no-inicio-da-pandemia-de-coronavirus-na-italia.ghtml
[4] https://www.politize.com.br/covid-19-um-ano-de-pandemia/
[5] https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2020/04/27/apos-se-curar-da-covid-19-boris-johnson-e-contra-flexibilizacao-da-quarentena
[6] https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2020/12/17/rei-da-suecia-diz-que-pais-falhou-no-combate-a-pandemia-de-covid-19
[7] http://www.engeplus.com.br/noticia/contexto-internacional/2021/suecia-adota-lockdown-em-meio-a-protestos
[8] https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2021/04/13/reino-unido-bate-meta-e-vacina-todos-os-adultos-acima-de-50-anos
[9] https://www.jornalja.com.br/geral/china-conta-como-venceu-a-covid-em-tres-meses-o-ocidente-silencia/
[10] https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2021-01/china-registra-primeira-morte-por-covid-19-desde-maio
[11] https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/04/03/Como-est%C3%A3o-hoje-os-primeiros-pa%C3%ADses-que-lidaram-com-a-covid-19
[12] https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/12/24/quais-os-paises-que-ja-comecaram-a-vacinacao-contra-a-covid-19
[13] https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/bbc/2021/02/26/interna_internacional,1241327/o-que-diz-o-estudo-alemao-sobre-mascaras-em-criancas-tema-citado-em-live.shtml
[14] https://www.dw.com/pt-br/por-que-especialistas-s%C3%A3o-contra-dispensar-m%C3%A1scaras-no-brasil/a-57853219
[15] https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/05/26/brasil-nao-faz-quantidade-suficiente-de-testes-para-covid-e-fica-atras-no-ranking-mundial.ghtml
[16] https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2021/04/20/interna_gerais,1258804/sem-eficacia-vendas-de-medicamentos-do-chamado-kit-covid-disparam-em-mg.shtml
[17] https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/07/10/se-cloroquina-nao-cura-covid-por-que-ha-curados-por-ela-ciencia-explica.htm
[18] https://www.cmfor.ce.gov.br/2020/09/04/assintomaticos-podem-ser-os-principais-responsaveis-pela-manutencao-da-rede-de-reproducao-do-virus-da-covid-19-diz-especialista/
[19] https://canaltech.com.br/saude/quais-danos-a-covid-19-pode-causar-em-assintomaticos-168479/
[20] https://pebmed.com.br/meta-analise-revela-aumento-de-mortalidade-apos-uso-de-hidroxicloroquina-na-covid-19/
[21] https://www.dw.com/pt-br/oms-desaconselha-hidroxicloroquina-para-prevenir-covid-19/a-56742929
[22] https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/06/4929798-a-cpi-queiroga-diz-que-cloroquina-nao-tem-eficacia-comprovada-contra-covid-19.html
[23] https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/05/18/questionado-na-cpi-se-agradeceu-a-venezuela-por-doacao-de-oxigenio-araujo-diz-que-nao.ghtml
[24] https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/2021/01/15/famosos-se-mobilizam-para-ajudar-hospitais-do-amazonas
[25] http://www.saude.am.gov.br/visualizar-noticia.php?id=5650
[26] https://www.sbmt.org.br/portal/manaus-mostra-que-infeccao-natural-nao-gera-protecao-e-nao-pode-ser-opcao-para-o-mundo/
[27] https://saude.abril.com.br/medicina/afinal-a-covid-19-esta-mesmo-mais-grave-nos-adultos-jovens/
[28] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-55870630
[29] https://www.melhoresdestinos.com.br/turista-brasileiro-rejeitado.html
[30] https://www.poder360.com.br/coronavirus/numero-de-casos-de-covid-cai-74-em-araraquara-apos-lockdown-diz-prefeitura/
[31] https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2021/01/07/o-que-voce-precisa-saber-sobre-a-coronavac-a-vacina-do-butantan.htm
[32] https://saude.abril.com.br/medicina/campanha-nacional-de-vacinacao-para-covid-19-e-inaugurada-com-indefinicoes/
[33] https://butantan.gov.br/noticias/projeto-s-imunizacao-em-serrana-faz-casos-de-covid-19-despencarem-80-e-mortes-95
[34] https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2021/02/08/producao-da-vacina-oxford-astrazeneca-no-brasil-comeca-na-sexta-feira-12
[35] https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/comunicado-suspensao-da-vacina-da-astrazeneca-para-gestantes/comunicado_ggmon_005_2021.pdf
[36] https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2021/05/4924827-especialistas-defendem-beneficios-superam-riscos-da-imunizacao.html
[37] https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2021/04/13/beneficios-da-vacina-sao-maiores-que-efeitos-colaterais-diz-diretor-da-sbim
[38] https://www.poder360.com.br/coronavirus/governo-bolsonaro-recusou-vacina-a-50-do-valor-pago-por-eua-e-europa/
[39] https://www.terra.com.br/noticias/coronavirus/cpi-pfizer-queria-fazer-do-brasil-vitrine-de-vacinacao,89c799e9616b072fa268106748bd4af4ka0ngkdx.html
[40] https://outraspalavras.net/crise-brasileira/h1n1-assim-o-brasil-vacinou-80-milhoes-em-3-meses/
[41] https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/12/13/cdc-aprova-vacina-da-pfizer-e-da-biontech-nos-estados-unidos.ghtml
[42] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56930584#:~:text=O%20primeiro%20lote%20de%20vacinas,ministro%20da%20Sa%C3%BAde%2C%20Marcelo%20Queiroga.
[43] https://www.poder360.com.br/coronavirus/mortes-pela-covid-em-marco-e-abril-superam-as-dos-6-meses-anteriores/
[44]
Dados recentes divulgados pela mídia.
[45] https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/06/10/brasil-volta-a-passar-a-india-em-mortes-diarias-por-covid.ghtml
[46] Saúde-COVID.gov, último acesso em 10/7/2021.
[47] https://noticias.r7.com/saude/brasil-registra-2723-mortes-por-covid-e-85748-novos-casos-em-24h-09062021
[48] https://www.acusticafm.com.br/noticias/40650/tres-em-cada-quatro-mortes-no-brasil-poderiam-ter-sido-evitadas-diz-epidemiologista-pedro-hallal.html
[49] https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/08/veiculos-de-comunicacao-formam-parceria-para-dar-transparencia-a-dados-de-covid-19.ghtml
[50] https://g1.globo.com/bemestar/vacina/noticia/2021/06/08/ministerio-da-saude-recebera-vacina-da-janssen-com-validade-em-27-de-junho-e-tera-ate-14-dias-para-aplicar-todas-as-doses-diz-conass.ghtml
[51] https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2021/06/26/covid-19-brasil-recebe-mais-942-mil-doses-da-vacina-da-janssen-doadas-pelos-eua.ghtml
[52] https://www.poder360.com.br/coronavirus/primeiro-lote-da-vacina-sputnik-v-deve-chegar-ao-brasil-em-ate-10-dias/
[53] https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/especiais/coronavirus/2021/05/793590-saiba-qual-a-situacao-das-vacinas-que-ainda-nao-sao-aplicadas-no-brasil.html
[54] https://www.nexojornal.com.br/expresso/2020/12/29/O-que-vem-ap%C3%B3s-o-fim-do-aux%C3%ADlio-emergencial-aos-brasileiros
[55] https://economia.uol.com.br/colunas/jose-paulo-kupfer/2020/12/22/brasil-gastou-pouco-com-a-pandemia-na-comparacao-com-outros-paises.htm
[56] https://www.oantagonista.com/brasil/guedes-problema-da-saude-publica-no-brasil-e-que-todo-mundo-quer-viver-100-anos/
[57] https://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/economia/69199/biden-propoe-investimento-publico-que-rompe-com-consenso-neoliberal-dos-ultimos-40-anos-nos-eua
[58] https://www.redebrasilatual.com.br/mundo/2021/04/biden-plano-investimentos-taxar-ricos-grandes-empresas/
[59] https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/entrevista/vacina-e-a-unica-solucao
Que texto relevante!
ResponderExcluirReconstituição primorosa dos fatos mais relevantes acerca da evolução da pandemia no Brasil, com destaque para as omissões criminosas - como bem vem demonstrando a CPI da Covid - do governo federal que colocaram o país como "vice-campeão" mundial em número de óbitos. Parabéns pelo texto, Lúcia.
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